Paulo Navarro | segunda, 7 de agosto de 2023

Entrevista com Renata Matta Machado. Foto: Cecília Pederzoli

Pedaços de Mim

Poderia ser um novo “Feliz Ano Velho”, mas é outra coisa, um almanaque, uma roda viva, pelas vitrines, pelas tabelas. Após um AVC hemorrágico, que a deixou com o lado esquerdo do corpo paralisado, a jornalista Renata Matta Machado resolveu compartilhar seu retrato em preto e branco, no livro “Nada será como antes”. Uma obra corajosa, comovente e resiliente, contando sua história com drogas e cigarros, que culminou, mas não terminou, em um AVC devastador. Vai passar? Quem te viu, quem te vê. Ao mesmo tempo, relembra os anos dourados de sua infância e adolescência em Belo Horizonte. Continua os tratamentos intensivos em busca da recuperação, sem perder o bom humor e a sensibilidade. Estas palavras de mulher, este folhetim, estes olhos nos olhos acontecem, dia 12 de agosto, às 11 horas, na Livraria da Rua, Savassi. Será que ela é moça, será que ela é triste, será que é o contrário, será que é de louça, será que é de éter, será que é loucura? O que será, que será? 

Renata, uma pequena apresentação de você ao nosso respeitável público, por favor.

Sou jornalista, formada pela PUC Minas em 1993. Atuei em jornais, revistas, TV e assessorias de comunicação de vários órgãos públicos. Nasci em Belo Horizonte em maio de 1969 e sou filha de Aída Dani e Márcio Matta Machado. Sou animada, espirituosa e muito, mas muito ansiosa.

Direto ao assunto, dia 12, na Livraria da Rua, você lança o primeiro livro da jornalista que vai virar escritora?

Não tenho pretensão de virar escritora, mas gostei muito da experiência. Sempre escrevi textos jornalísticos. Nunca sobre mim mesma. Não é uma autobiografia, mas um breve relato do que vivi em 54 anos. Foi um parto porque, com o lado esquerdo paralisado, só me restou o dedo indicador direito. Contei com dois amigos para organizar e revisar os textos. Ainda preciso me adaptar à realidade, às tecnologias. Não sei como será, mas quero continuar escrevendo.

O título é musical, mas não engana: “Nada será como antes”. O que, em particular, não é e não será como antes?

Quando pensei em escrever, pensei logo no título que é da música do Milton (Nascimento). Hoje vivo uma realidade bem distante daquele março de 2021. Era independente e ativa, agora, cadeirante e dependente. Sofri um AVC provocado por um combo abusivo de cocaína, cigarro, depressão, ansiedade e muito estresse. Era uma bomba relógio e explodi. Fiquei com o lado esquerdo do corpo todo paralisado e, para piorar, sou canhota. Só consigo usar a mão direita, para tudo. Minha mobilidade está bastante restrita e vivo com ajuda da minha mãe e de uma cuidadora. Sei que nada será como antes e o amanhã estou construindo agora, a partir deste livro.

O bom humor de antes continua ou está em férias?

Sem dúvida. O bom humor faz parte da minha essência. Mesmo passando por todas essas adversidades, consigo ainda olhar para trás e rir das minhas próprias histórias.  

Como foi escrever este livro? São memórias ou uma história?

É um relato da minha vida pós-AVC, com momentos marcantes da minha vida, desde a infância em BH, até meu período profissional. Falar da minha vida e escolhas foi nada fácil. Precisei de muita coragem para enfrentar os próprios medos. Foi muito doído, mas uma catarse. Coloquei para fora muita coisa guardada e que nem meus amigos mais íntimos sabiam. Tive coragem de expor o que vivi com as drogas para alertar, principalmente os jovens, para que não sigam o mesmo caminho. 

Ainda na capa, você exibe uma tatuagem onde lemos: “Para sempre é sempre por um triz”. Algum significado especial?

É de “Beatriz”, música de Chico Buarque (e Edu Lobo). Carrego o Chico no coração e nos braços. Do outro lado tenho outra tatuagem com outra frase da mesma música “Diz se é perigoso a gente ser feliz”. Chico é o melhor compositor brasileiro. Minha vida poderia ser contada pelas letras de suas canções. Acompanho a carreira de Chico desde pequena; fã incondicional. Até minha monografia do curso de Jornalismo foi sobre o Chico. No livro, não poderia deixar de falar sobre como ele influenciou minha vida. Sonhava em ser uma das mulheres de Chico... Beatriz, Carolina, Bárbara, Rita, Joana, Cecília, até mesmo a Renata, mas nunca uma Geni...

Duas músicas citadas no mesmo livro. A música continua uma amiga fiel?

Tem outras, mas quero que vejam no livro. A música foi e sempre será minha companheira fiel. Meus pais gostavam de música, vivíamos cercados de músicos, tinha muitos amigos músicos. Ouço música o tempo todo e não me canso de ouvir Chico Buarque. Tenho verdadeira fascinação pela combinação entre suas letras e suas melodias. Ele é genial.  

O que mais te seduz? Cinema? TV? Livros?

Sempre gostei muito de TV, cinema e literatura. Após o AVC, já fui ao shopping, botecos, restaurantes, viajei para Arraial D’Ajuda, mas ainda não fui ao cinema. Assisto aos programas de TV, novelas e começo a me encantar pelas séries; maiores que filmes e menores que novelas. Tratam cada vez mais de temas atuais provocando o público a refletir sobre os mais variados assuntos. A leitura para mim ainda está meio complicada. Não consigo me concentrar para uma leitura longa. 

Por falar nisso, podemos esperar um segundo livro ou você disse tudo?

Prefiro esperar o lançamento do primeiro e decidirei. Tenho um longo caminho a percorrer com ele debaixo do braço. Quero voltar às instituições para dependentes químicos que frequentei para mostrar a eles o que sofri com o uso abusivo de drogas. Também quero ir às escolas para alertar os jovens sobre os caminhos que escolhi e que me levaram à minha condição atual.   

Quer terminar, citando o verso de uma terceira música, que te defina hoje?

“Não se afobe não, que nada é pra já”. Outra do Chico, “Futuros Amantes”, meu lema atual e uma forma de diminuir um pouco minha ansiedade.