Paulo Navarro | segunda, 30 de janeiro de 2023


Entrevista com a jornalista Juliana Costa Gonçalves. Foto: Vinicius Matos

Família S.A.

Juliana Costa Gonçalves é jornalista de formação e neta de José Costa, fundador do Diário do Comércio, jornal com 90 anos de história. Foi assim que, há 20 anos, começou a ajudar famílias empresárias em seus processos de profissionalização. Com o falecimento de seu pai, Marcílio Gonçalves, então presidente do Diário do Comércio e genro do fundador, Juliana optou por abandonar seu sonho original de trabalhar na empresa da família e se aventurar por outras planícies: comunicação empresarial, aulas na PUC/MG e na Fundação Dom Cabral, por 14 anos, em projeto voltado às famílias empresárias. Há quatro anos é consultora da Kfamily business – Kienbaum, consultoria alemã. Também é fundadora da Escola da Família Empresária. Agora, por “a” mais “b”, vejam que, nem sempre, filho de peixe, peixinho é.

Juliana, depois da longa estrada, a volta ao ambiente familiar?

Nesta trajetória, resumida, descobri minha nova profissão: ajudar as famílias empresárias somando conhecimento e prática, muitos cursos e, especialmente, minha própria experiência na terceira geração de uma família empresária.

Porque as famílias empresárias precisam se preocupar com estes temas?

Porque os dados ainda são assustadores. 85% das empresas no mundo são familiares e no Brasil não é diferente. Somente 4% chegam à quarta geração. Quando falamos de mortalidade das empresas familiares não falamos necessariamente do fim das empresas. Na maioria das vezes, ela sai das mãos da família fundadora. 

Isso acontece porque a vocação não é hereditária?

Por diferentes motivos, sendo o principal deles, dificuldades de relacionamentos interpessoais. Isto significa dizer que as famílias não estão prontas – ou maduras – para lidar com o ambiente de uma família empresária. 

O que significa família empresária? 

Uma família, com todas as emoções naturais de um ser humano, como amor, afeto, desejos, harmonia, desejos. Mas temos também as mágoas, raivas, ciúmes, disputas, competição etc. E na empresa familiar temos tudo isto dentro do ambiente empresarial. Quando estamos na primeira geração, com o fundador ou fundadores, estas questões ainda não são problemas. Nesta fase, a empresa enfrenta o desafio do negócio. 

Quando começam os problemas?

A partir do momento em que os filhos, os sobrinhos e os netos chegam à idade de trabalhar, o ambiente transforma-se totalmente. Deixa de ser um momento em que o fundador determina o que quer, para a nova fase em que os filhos e netos precisam negociar e decidir juntos o que querem e como desejam.

E isto é fácil de resolver?

Pensemos na sociedade em geral. Uma família qualquer, independente de ser também uma empresa, tem na sua constituição um pouquinho de tudo. Temos pessoas honestas, competentes, dedicadas, estudadas, éticas, alegres, harmoniosas. Mas, claro, tem também pessoas desonestas, chatas, preguiçosas, briguentas, ignorantes, além daquelas com problemas mentais, usuárias de drogas e álcool. A sociedade não é assim? E a nossa família é diferente disto? Acredito que não.

Aí a pergunta natural: quem deveria trabalhar na empresa? 

Quando as empresas fazem processos de seleção para contratação de novos profissionais, elas buscam os melhores do mercado, com atributos e competências, certo? Então, por que as empresas familiares não têm a mesma mentalidade para selecionar entre seus herdeiros também os melhores? Com mais qualificação, dedicação, comprometimento e liderança? Sei que não é fácil, especialmente para um pai. Mas, na perspectiva da empresa, esta mentalidade é fundamental.

Então, basta aplicar os instrumentos de avaliação de perfil de competências?

Não só isso. É preciso um ambiente de diálogo, de conversa franca, de segurança e confiança para se tratar das conversas sensíveis dentro da família. É preciso ainda a criação de mecanismos e regras para regular a convivência entre todos.

Foto: Vinicius Matos

Que tipo de regras?

Na primeira geração, especialmente quando há mais de um fundador, como irmãos, ou colegas de faculdade, temos pessoas que, por algum motivo, foram escolhidas como sócios. Seja porque compartilharam do mesmo sonho, reconheciam a competência do outro, eram complementares em suas funções; ou algum outro motivo. Mas os descendentes dos fundadores não se escolheram como sócios, nasceram na condição de sócios. 

Enfim, e as regras?

Você precisa definir critérios para trabalhar na empresa ou não. Se esposas e maridos podem trabalhar ou não, se a empresa vai financiar os estudos das novas gerações ou não, como é a política de remuneração, a que benefícios terão direito, a política de dividendos, a possibilidade de venda da participação. Se for o desejo, como e em quais condições. 

Fundamentais e naturais, então.

À medida que a família cresce numericamente e, em especial, os interesses de cada um, é fundamental regular a convivência e deixar claro para todos o que pode e não pode, e o que se espera de cada um. Todos que fazem parte de uma empresa familiar têm direitos, deveres e obrigações, independente de trabalhar ou não na empresa. Pode não ser gestor, mas é ou será um acionista.

Seria este o maior desafio de uma empresa familiar?

Sem dúvida, o processo sucessório. Mais a necessidade de preparar o sucedido para este momento. Infelizmente, os fundadores pensam muito pouco na sucessão. Temos que entender a sucessão como um processo que pode levar anos. O que a gente mais vê é a sucessão ocorrendo na hora da morte ou no afastamento por doença. Contraditório, já que a morte é a única certeza que temos na vida.

Outros desafios e obstáculos?

Formar os membros da família empresária para o papel de acionistas. É preciso compreender que carregar um sobrenome não é garantia de ser um bom acionista. Há que compreender quais os direitos, deveres e obrigações. E como obrigação, é preciso conhecer de negócios, mercado, finanças e contabilidade, direito, estratégia. Só assim os acionistas poderão tomar decisões que contribuirão para os negócios e o patrimônio. 

Finalmente, como é o seu trabalho?

Em duas linhas de atuação. Temos a Escola da Família Empresária, em Belo Horizonte. Nela, o Programa de Formação da Família Empresária, formando os membros de uma família empresária como acionistas. Abordando patrimônio, a família e o negócio, contribuindo para que a família preserve o patrimônio, tenha longevidade nos negócios e harmonia garantida. 

O que deve gerar mais necessidades...

Trabalho individualmente como consultora, avaliando o que é necessário para aquela família. Necessidades que variam da avaliação, ao próprio planejamento sucessório. Importante frisar que, cada família tem seu tempo e o momento certo. Falo isto porque a governança corporativa e os conselhos de administração viraram modismos. No entanto, nem todas as famílias, nem os negócios estão maduros para avançar neste sentido. Daí a importância de uma formação inicialmente com toda a família.