Paulo Navarro | segunda, 3 de julho de 2023

Entrevista com o escritor José Roberto Moreira de Melo. Foto: arquivo pessoal

Histórias Celestiais

Mineiro de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha, José Roberto Moreira de Melo é advogado tributarista e professor universitário aposentado. Estreou na literatura em 1989, aos 43 anos. Em 1990, venceu o concurso nacional de literatura Prêmio Cidade de Belo Horizonte. É autor da novela policial “Armação em Búzios” e das coletâneas “Memórias execráveis” (contos) e “Tempos de enfado”. Desde 2021, dedica-se à coleção “Jequitinhonha, a terra, a gente”, projeto pessoal que visa valorizar e divulgar a cultura popular e a história da colonização da região do Vale do Jequitinhonha. Em junho, lançou o sexto título da série, “O Bicho de Pedra Azul”, que também traz a novela “O mascate da Bahia-Minas”. Desvendem outros mistérios na entrevista a seguir.

José Roberto, o que atrasou o escritor? O advogado?

Estreei tarde porque acredito que a literatura, principalmente de ficção, é ofício para a maturidade. Um escritor leva tempo para definir seu estilo. É preciso escrever muito, jogar muita coisa fora, fazer muito rascunho, antes de começar a escrever. Não é fácil. Claro que existem as exceções, como o poeta francês Rimbaud, que produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente.

Começou com “A Mansão Hollywood”, contos?

Em 1989. Coletânea de contos que fez muito sucesso, ganhando, inclusive, críticas elogiosas e artigos de grandes jornalistas e escritores, como Humberto Werneck, Mauro Werkema e Mário Ribeiro.

Premiado com “Mistério em São Sebastião”...

Em 1990, ganhei o Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte e o livro foi publicado em 2000. O mistério se passa em São Sebastião das Águas Claras, hoje mais conhecido como Macacos, distrito de Nova Lima. A história é narrada por um professor beato e envolve religião, crendices populares e os impactos da mineração que já assolavam a então vila de São Sebastião, nos anos 1950.

Depois de alguma “armação, memórias e tempos”, Jequitinhonha?

A coleção “Jequitinhonha, a terra, a gente”, é obra de muita maturidade. Escrevi “Contos do Vale” aos 70 anos e descobri que o Jequitinhonha me interessava profundamente, que eu teria uma facilidade muito grande de escrever sobre aquilo tudo, porque é a minha terra. Passei a infância ouvindo histórias sobre crendices populares, como “O Bicho de Pedra Azul” e “A Virgem de Gravatá”, minha família é muito grande, está espalhada pelo Vale e nela tem de tudo – cantor, poeta, político, fazendeiro... Andei no trem da Estrada de Ferro Bahia-Minas, meu pai foi funcionário do fisco, meu irmão foi promotor de justiça em várias cidades do Vale. Aquilo tudo estava na minha cabeça. O folclore do Vale é riquíssimo!

Mas e o Bicho de Pedra Azul é?

Uma figura folclórica, misto de alma penada e demônio, que escolhe, no nascimento, as crianças que acompanhará ao longo da vida, certo de que farão tudo o que ele quer; más e cheias de pecados.

E qual é a história no livro?

Acompanhamos a trajetória de um menino típico do Vale, que cresce cometendo pequenas contravenções, mas, quando adulto, protegido pelo Bicho de Pedra Azul, se torna ladrão de pedras preciosas e jagunço dos mais temidos na região.

E a coleção “Jequitinhonha, a terra, a gente”?

Os romances da coleção enfocam, sobretudo, a história da colonização do Vale. Neles, a criação ficcional é entrelaçada a fatos históricos, lendas e personagens místicos, criando um panorama da formação dos municípios do Vale.

Quais são os outros títulos já lançados?

Publicamos “Contos do Vale”, “A Virgem de Gravatá”; “O Rio das Araras Grandes”, “Nanuque, o herói do Mucuri” e “O último trem para Filadélfia”. Filadélfia era o nome de Teófilo Otoni, no século 19.

Qual é o segredo da sua criação literária?

Tem muito de lembrança. Quem nasceu no Vale do Jequitinhonha sabe, como eu, que já nasce com muitas histórias para contar. Na minha terra, no meu tempo, tudo era objeto de extensas narrativas.

E o que motiva seu trabalho como escritor?

Sem querer ser um autor militante, sempre me interessaram os nossos problemas sociais, como a pobreza, o preconceito, o racismo, a miséria moral, as estreitezas intelectuais geradas pela ignorância da nossa gente, a mediocridade dos nossos políticos.

Como anda a literatura nacional?

Acompanho com vivo interesse o surgimento de romances regionais, como “Torto Arado”, de Itamar Vieira Júnior. Acredito que é por aí que poderemos retomar a literatura brasileira mais original e voltada para os nossos problemas imediatos, como a desigualdade social.