Paulo Navarro | segunda, 27 de fevereiro de 2023

Entrevista com a especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Renata Borja. Foto: arquivo pessoal

A Dádiva do Presente

Um ditado árabe aconselha: na tempestade de areia, confie em Alá, mas amarre seu camelo. Este ditado veio-nos à mente, assim que começamos a entrevista com a psicóloga Renata Borja, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Para ela, uma mente bem treinada é o segredo por trás de uma pessoa com alta competência em organização, planejamento, resolução de problemas e, consequentemente, concretização de metas. “Uma mente bem treinada não seria a que não se depara com problemas, mas a que desenvolve estratégias funcionais para resolvê-los”. E podem tirar o cavalinho da chuva e o camelo da tempestade, não existe milagre, muito menos Tenda de Milagres. Como sempre, temos chaves como: mudança de hábitos, objetivos, equilíbrio, organização, foco e persistência abrindo mil outras fechaduras. E lembrem-se, para quem realmente quer, o ano novo pode começar até em dezembro!

Renata, de repente, já é quase março, mas ainda dá para perguntar: ano novo, vida nova?

Sem sombra de dúvidas! Com o passar dos meses, muitas pessoas param de seguir os objetivos traçados na virada do ano. Janeiro não pode ser o único mês em que paramos para pensar sobre a vida que queremos ter. Hábitos são criados diariamente, não do dia 31 para o primeiro. Além disso, tem uma turma que só se prepara para o ano começar depois do Carnaval. Então é sempre tempo!

Viradas de ano são normalmente positivas, mas também fonte de angústia, no estilo, outro ano, mas tudo igual, tudo na mesma?

Se o ano, de fato, será novo vai depender, em grande parte, da forma como cada um vai se posicionar perante os seus objetivos. É preciso tomar a decisão e criar pensamentos que vão ajudar a se aproximar das suas metas. A angústia pode ser desencadeada pelo receio da mudança, mas decidir e criar recursos e metas graduais vai ajudando a atingir os objetivos e a aumentar a sensação de bem-estar. Por isso, é importante investir em organização, planejamento e resolução de problemas.

Concorda com aquele lema que diz: “como esperar um resultado diferente, fazendo tudo igual?

Com certeza! Quando as pessoas utilizam as mesmas estratégias não conseguirão atingir diferentes resultados. É importante avaliar o que deu errado, retirar o aprendizado das experiências, modificar o planejamento e agir conforme o planejado. Afinal, planos não necessariamente implicam em ação e resolução. A grande maioria das pessoas encontra algum tipo de dificuldade na gestão do tempo, na organização de uma rotina, no equilíbrio das diferentes áreas da vida e na melhor utilização dos seus pensamentos e emoções. Dessa forma, muitas vezes, acabam não atingindo o que almejam.

Uma vida nova só depende de nós? Sonhos podem virar realidade?

Nem tudo dependerá só de nós. Precisamos sonhar sim, mas também criar estratégias e ação para torná-los mais palpáveis, sempre reconhecendo que sonhos não necessariamente são metas. Sonhos podem ou não ser realizados e dependem muitas vezes de outros fatores que nem sempre temos o controle, já as metas estão relacionadas com aquilo que podemos cumprir e que temos mais controle. Para um sonho ficar mais palpável é preciso criar uma sequência de metas graduais que possam contribuir para alcançá-lo. É preciso focar no que está dentro do nosso controle, para caminharmos em direção aos nossos objetivos, os quais podem virar realidade, contanto que sejam realistas.

Que hábitos nos levam às metas? Uma mente bem treinada?

Não há uma regra geral, para cada objetivo a ser alcançado, há uma série de comportamentos que podem nos ajudar ou nos atrapalhar. O que devemos fazer é “dividir” o objetivo maior em uma série de submetas. Após isso, precisamos traçar estratégias para alcançar cada uma delas. Além da parte organizacional é preciso treinar a nossa mente para desenvolver pensamentos otimistas, realistas. A nossa mente treinada adequadamente a lidar bem com as emoções sem tentar invalidá-las, desprezá-las ou escondê-las, torna os nossos projetos mais viáveis e a nossa vida mais tranquila. Lidar bem com as emoções até mesmo as desconfortáveis é um dos grandes segredos de uma vida plena, com sentido e significado. Finalmente, podemos utilizar melhor nossos pensamentos e emoções criando hábitos mais saudáveis que podem ser desenvolvidos através de comportamentos que nos auxiliam no nosso crescimento pessoal.

E o “Cogplanner”?

O Cogplanner é uma Agenda Cognitiva que criei para ajudar as pessoas, na prática, a desenvolverem estratégias de gestão emocional, mudança de hábitos e resolução de problemas. Ele auxilia desde a criação de metas até quais caminhos podem ser tomados para que elas se tornem uma realidade.

Como funciona?

O Cogplanner auxilia não só no alcance de metas e objetivos, como também na transformação mental, contribuindo para a flexibilização de pensamentos disfuncionais e melhor gestão emocional, ajudando a pessoa a aprender como utilizar as próprias emoções a seu favor. Costumo usar a analogia de que o Cogplanner tem o objetivo de funcionar como um catalisador da mudança que o usuário almeja, promovendo saúde mental tanto para as pessoas que estão quanto as que não estão em tratamento psicoterapêutico.

Gestão do tempo é o “mapa da mina”?

Com certeza é um dos! Gerir bem o tempo é fundamental para alcançarmos a satisfação no nosso dia a dia. Pessoas com baixa habilidade de gestão de tempo não costumam conseguir equilibrar bem as diferentes áreas da vida e acabam frustradas, culpadas, impacientes, desanimadas, ansiosas ou irritadas.

Como “Manter uma vida organizada e planejada”? Mudança de comportamento? Fazer da tristeza, uma “limonada”?

Para mantermos uma vida organizada e planejada, temos que ter um bom manejo de emoções, saber lidar com pensamentos negativos sobre nós mesmos ou sobre o outro e escolher bem quais comportamentos termos. Precisamos insistir na mudança modificando o comportamento que não deu certo. Muitas pessoas tentam e diante da dificuldade ou do fracasso desistem. O segredo está em não desistir, mas isso não significa usar as mesmas estratégias que não funcionaram.

Usar o famoso Plano B?

Se nossa programação não deu certo, mude-a, ao invés de ficar se lamentando ou se queixando. Coisas ruins acontecem, mas trazem sempre aprendizado. Precisamos utilizar o desconforto emocional como trampolim para a mudança e não como fonte de culpa, ruminação e preocupação. Se algo der errado, ao invés de ficar dizendo para si mesmo que é burro, que deveria ter feito de outro jeito. Diga para si mesmo que essa experiência te ajudou te ensinando que essa estratégia estava errada e que isso o ajudará a encontrar novas formas de aprender.

Sinceramente, como obter uma vida, um pensamento equilibrado em meio a tanto desequilíbrio e injustiças?

Aqui vão duas dicas. Primeiro, compreenda o que está dentro do seu controle e o que não está. Invista no que você, de fato, pode fazer, no lugar de remoer situações em que não há mais nada a ser feito ou se preocupar com situações que ainda não aconteceram. Não reforce, nem alimente pensamentos sobre o que você não controla como, por exemplo, as atitudes das outras pessoas, o futuro e as situações. Foque os seus esforços e pensamentos nas suas ações e decisões.

E a segunda?

Identifique o que você considera injusto e identifique formas mais assertivas de reagir às injustiças de forma que você não se torne injusto com o outro. Se a justiça é importante para você seja um exemplo dela para o mundo.

Para terminar, qual o primeiro passo para um otimismo neste ano de 2023, mais túnel que luz?

Uma dica de ouro é não tentar adivinhar o futuro e viver o melhor que se pode no presente sempre em direção às metas divididas em pequenos passos. Tire o foco das coisas que não dependem de você e coloque o seu esforço no que você pode controlar. Cada passo alcançado deve ser reforçado por você e visto como uma conquista que nos aproxima dos nossos objetivos. Assim, é mais provável que fiquemos cada vez mais seguros, confiantes e otimistas diante dos nossos planos, sem deixarmos de ser realistas.