Paulo Navarro | segunda, 25 de setembro de 2023
Entrevista com Rodrigo Severo. Foto: Lilian Severo
Mar de Poesia
Canta Geraldo Vandré, em “Disparada”: “prepare o seu coração, pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar”. Depois, com um “Lamento Sertanejo”, completou Dominguinhos, na voz de Gilberto Gil: “por ser de lá, do sertão, lá do cerrado, eu quase não saio, eu quase não tenho amigo, eu quase que não consigo, ficar na cidade sem viver contrariado”. Na contramão, Rodrigo Severo lançou, dia 16, o livro “O que eu quero é ficar no sertão - Poemas do caminho”. E Rodrigo é mesmo da contramão porque, inspirado pelo sertão, seus versos surgiram, “naturalmente, sem esforço, sem intenção e sem horário definido. Caíram abundantes, igual chuva de verão”. Delírio, com o sertão virando mar e o mar virando sertão? Pode ser. Porque o sertão é “oásis e deserto, sol e chuva, dia e noite, bem e mal”. Uma miragem, uma viagem.
Rodrigo, você é mineiro de que cidade?
Sou mineiro de Belo Horizonte, nascido e criado no Bairro
Santo Agostinho. Aprendi a andar de bicicleta na Praça da Assembleia.
Você acabou de lançar “O que eu quero é ficar no sertão - Poemas do caminho”. O que é? Você voltou para o sertão?
O livro é a compilação de uma série de poemas que comecei a escrever no final de 2022. Os versos surgiram em minha mente naturalmente, sem esforço, sem intenção e sem horário definido. Caíram abundantes, igual chuva de verão. Comecei a anotá-los sempre que podia. Depois de reunir um número razoável deles, percebi que a temática era relacionada com o nosso sertão, com o nosso interior. Como eu havia recém retornado ao Brasil, após sete anos vivendo no exterior, senti que deveria nomeá-lo de "o que eu quero é ficar no sertão".
Se você voltou ou está voltando, de onde está vindo? Do mundo?
Vivi sete anos nos Estados Unidos, mais precisamente em Los Angeles e Las Vegas. Eu e minha família decidimos que era a hora certa de retornar ao Brasil. Foi um longo tempo ausente de Belo Horizonte.
O que são “Os Poemas do Caminho”?
"Os poemas do caminho" referem-se ao conjunto de poemas relatando as viagens pelo interior brasileiro, contando historinhas, "causos" e cantigas. Sobe morro e desce morro, curva aqui e curva ali. Vai um boi e outro boi, igreja e igrejinha... assim é o nosso sertão.
Poesia, raízes brasileiras, cantigas, tudo bem. Mas, e os contos delirantes? Realismo mágico?
Ótima pergunta. Os contos delirantes referem-se às aventuras incríveis, aos medos, aos delírios e alucinações que o andarilho enfrenta na sua jornada. Durante a viagem ele vai escutando as suas vozes, subjugando os seus algozes. Aqui, menciono um trecho do último poema do livro: "Quando da peleja andante, um não cessa de pensar. Pensa em tudo e todos, nas melhores e piores situações que um possa contar. Tribulações e torturas passam, mas a restituição é certeira e não falha."
O personagem é um caminhante, um andarilho. Viajantes assim ainda existem ou apenas na ficção?
Com toda a sinceridade, quando surgiram esses versos em minha mente, eu era convicto de que esses personagens são mera ficção nesse asfalto sem dimensão. No tempo dos tropeiros era mais comum, certamente. Porém, o porteiro do meu prédio, ao ler o livro, contou-me suas histórias de caminhante. Alguns anos atrás, ele e seu irmão caminharam de Belo Horizonte até Ilhéus, na Bahia, entre outras diversas aventuras pelo norte de Minas Gerais. E ele disse-me que essas pelejas, essas labutas malucas surgem na cabeça do viajante o tempo todo. Eu fiquei fascinado com esse relato.
Quais as belezas e amarguras do sertão? Sertão mineiro ou no Nordeste?
O livro retrata, primordialmente, lugares reais e imaginários de Minas Gerais e Bahia. Lugares onde passei durante as minhas viagens pelas trilhas, cachoeiras e fazendas. As belezas são inúmeras... O nosso país é lindo, com paisagens incríveis. E, claro, as amarguras estão sempre caminhando lado a lado. A dor, o suor, o calor escaldante, a solidão.
O sertão é um oásis ou um deserto?
O sertão não é somente um local geográfico (aqui entendido como todo o interior do Brasil, de norte a sul, leste a oeste). O sertão é, sobretudo, o palco da formação cultural brasileira. É o local da construção das nossas tradições religiosas, da nossa gastronomia, dos ditos populares e do nosso folclore. Eu diria, portanto, que é oásis e deserto, sol e chuva, dia e noite, bem e mal. É enfrentar os nossos fantasmas, para depois encontrar o paraíso interior.
O que é a obra “Novos Poetas Brasileiros 2023”?
Anualmente a Editora Vivara lança um livro de poesias prestigiando os novos poetas brasileiros. A edição de 2023, chamada de "Sarau Brasil 2023" será lançada no início de 2024, e um dos poemas do meu livro, "O que eu quero é ficar no sertão", chamado "Capelinha", foi selecionado e fará parte da obra.
Que gratidão você reconhece pelo Brasil?
Todas as possíveis. Eu percorri o mundo inteiro e vivi, ao todo, nove anos fora, sete anos ininterruptos, de 2016 a 2022. Aprendi com a dor o quanto que na nossa casa tem mais sabor, mais amor, mais qualidade. O nosso país é muito rico. Precisamos abrir os olhos para esse fato, que para mim é muito claro. Eu diria que incrivelmente nós, brasileiros, adquirimos o hábito de somente enxergar o lado negativo, ignorando os inúmeros pontos positivos daqui. Após conhecer culturas, concluí que o Brasil é muito especial. Precisamos acreditar nisso.
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(Editora Viseu). Na obra, o autor convida o leitor a navegar pelo sertão, por meio de poesias que exploram as raízes culturais brasileiras, sejam em forma de cantigas ou de contos delirantes. A publicação reúne 34 poemas, narrados por um caminhante andarilho e viajante, que sem destino, segue contando histórias e “causos”, cantarolando e admirando as belezas e amarguras do sertão. Entre os poemas estão “Coragem”, “Coturno”, “Maravilhas”, e “Capelinha”, que foi selecionado no concurso Novos Poetas no Sarau Brasil deste ano e fará parte da obra “Novos Poetas Brasileiros 2023". A publicação celebra o reencontro de Severo com a sua brasilidade e a gratidão pelo Brasil, após muitos anos morando fora do país. O lançamento acontece no dia 16 de setembro, às 11h, na Livraria da Rua, na Savassi (Rua Antônio de Albuquerque, 913).