Paulo Navarro | segunda, 23 de outubro de 2023

Entrevista com o cafeicultor Bruno Souza. Foto: Arquivo Pessoal

Eita Cafezinho Bom

“Gentes”, a origem do café tem mil versões, Histórias e estórias. Mistérios. Nossa preferida pode nem ser verdade, mas é a mais pitoresca ou romântica. Reza a lenda que, um pastor de cabras, na Etiópia, África, teria percebido que suas cabras ficaram mais excitadas e serelepes que de costume, após provarem de uma frutinha vermelha, o café. Impossível saber o que o pastor fez com a descoberta. Um chá de café? Com ou sem a torrefação? A verdade é que o hábito, muitas vezes vício, ganhou o mundo. O café pode ser degustado num copo Lagoinha, em botecos, mas também nas mais finas porcelanas, em rituais gastronômicos diversos, um vulgar café da manhã, ou na recepção ao Rei Charles III, em Versailles, França. O café, que contribuiu para a riqueza e a “revolução industrial” de São Paulo, hoje, é nosso maior embaixador. Minas é o maior produtor do Brasil e o Brasil, o maior exportador do mundo. Mas há cafés e cafés. Um é mais café que o outro. Ou menos. Daí, nossa conversa “mais café” de hoje, com o produtor Bruno Souza e seu néctar, sua embaixada, a Academia do Café. Sim, tim-tim! Por que não?

Bruno, quem é você, Débora Souza e a “filha”, a “Academia do Café”?

Eu sou a quarta geração de produtores de café. Em 2002, com minha mulher Débora Souza, me mudei para os EUA para levar a qualidade do café brasileiro para fora. À época, o Brasil era mais visto como produtor de “commodities” e queríamos mostrar a qualidade do café brasileiro para o mercado dos EUA. Em 2011 voltamos para Belo Horizonte e abrimos a “Academia do Café” como escola, com a ideia de trazer para o produtor e o consumidor brasileiros o que aprendemos lá fora que vai além da porteira.

E o que trouxeram de mais líquido que sólido, com sua filha Júlia e o genro Ivan Totti?

Queríamos ensinar ao produtor sobre qualidade e consumo para que ele pudesse valorizar o seu próprio produto. Fui pioneiro nos Estados Unidos quando se fala em café de qualidade do Brasil. Minha esposa, Débora, é responsável por toda parte administrativa e financeira de todas as empresas, enquanto minha filha, Júlia e meu genro, Ivan, se destacam na parte de treinamento e cafeteria. Posteriormente, em 2014, abrimos a cafeteria com o intuito de atingir o consumidor final; mostrar e também ensinar sobre a qualidade do café.

Detalhes, por favor!

Quem estruturou e montou a cafeteria foram Júlia e Ivan, responsáveis pela “Academia do Café”. Júlia também foi campeã brasileira de filtrados em 2022 e se classificou entre os 10 melhores do mundo no Campeonato Mundial que aconteceu em 2023 na Austrália. Ivan, hoje é responsável pela torra e pelos principais cursos da “Academia do Café”. É também instrutor Q-Grader.

Antes, o que era para ser uma “escola” foi muito além.

Somos um centro de treinamento, com certificação internacional, prestamos consultoria para quem quer abrir cafeteria e nossa cafeteria tem foco na experiência do consumidor.

Agora sim, o que é Q-Grader?

É o responsável por provar e certificar a qualidade do café. É como se fosse um juiz do café especial pela Associação de Cafés Especiais (Specialty Coffee Association - SCA). Ele é certificado para provar e pontuar o café, atestando se ele é especial ou não e sua pontuação, assim como notas sensoriais.

Bem antes, o que você e Débora perceberam nos Estados Unidos, onde moraram dez anos?

Que nós, brasileiros, entendíamos muito pouco sobre a qualidade do nosso café e sobre o consumo. Eu tinha um conhecimento sobre qualidade, que aprendi com meu pai. Mas aprendi muito mais do que já sabia.

Como andava ou desandava a imagem do café brasileiro lá? Perdendo para o colombiano? E agora?

O Brasil era visto mais como produtor de volume com baixa qualidade. Hoje já somos reconhecidos pela nossa qualidade, porém somos pouco valorizados. Um café brasileiro, com a mesma qualidade e pontuação que a Colômbia, por exemplo, vale muito menos que o colombiano. Então, por mais que sejamos, hoje, reconhecidos pela qualidade, falta bastante para sermos valorizados à altura da nossa qualidade.

E a Academia do Café? Virou um laboratório, uma universidade?

Hoje somos uma escola de café renomada no Brasil e no mundo. Prezamos pela qualidade de ensino e, por isso, temos instrutores certificados e com capacidade para ensinar e auxiliar da melhor forma possível. Além disso, somos também um laboratório, onde torramos, provamos, fazemos análise de cafés de todo o Brasil. Somos também uma cafeteria, com o intuito de levar o melhor do café brasileiro para o consumidor, e fornecer uma experiência.

O que você chama de café especial? O Brasil conhece este café? Ou apenas na tua cafeteria ou com quem importa a nata da produção?

Café especial é uma classificação - temos uma forma de avaliação onde avaliamos 10 quesitos, desde a fragrância, aroma, sabor, corpo, até a doçura, acidez dentre outros. Hoje o Brasil já conhece o café especial. Temos algumas cafeterias em Belo Horizonte, além da “Academia do Café”, que priorizam o café especial, e as grandes marcas. Observando esse movimento de café especial, começaram a buscar alternativas para servir o café de qualidade também ao consumidor final. O Brasil não produz nem 10% de café especial e se exportamos em torno de 50% da nossa produção, o café especial é uma minoria.

Muitas premiações?

Algumas. Já ganhamos a melhor cafeteria de BH pela “Veja”. Já fomos escolhidos como a melhor cafeteria do Brasil pela revista “Prazeres da Mesa”. Nosso café (da minha fazenda) já ganhou diversos concursos regionais e se classificou em alguns concursos nacionais, como o finalista do “Cup of Excellence”, e da Emater. Temos alguns troféus de barista, Minha filha Júlia venceu o Campeonato Brasileiro de Preparo de Café e ficou entre os 10 melhores baristas do mundo. Meu genro, Ivan, já ficou algumas vezes no pódio dos três melhores baristas do mundo.

A torrefação é o mapa da Mina? A Fazenda é a Mina?

Todos os pilares se completam. Gostamos de falar que o café tem três mortes - a primeira morte pode acontecer na produção. Se o produtor não tiver cuidado na hora da colheita, ou da pós-colheita, o café já era. Perdeu ali. A segunda morte é na torrefação, podemos ter o melhor café verde do mundo se na hora de torrar eu não souber extrair o melhor daquele café, torrar demais de menos, já era, perdi tudo ali mesmo. A terceira morte, na cafeteria. Posso ter o melhor café verde do produtor que fez tudo direito, a melhor torra do mundo, se eu não souber extrair esse café, consigo matá-lo ali também.