Paulo Navarro | segunda, 21 de agosto de 2023
Entrevista com a escritora Mariana Motta. Foto: divulgação
O Céu que nos Protege
Hoje, um tema para lá de delicado e cada dia mais importante, neste “Brasil sem limites” e cada vez mais “o País da delicadeza perdida”. Nossa entrevistada é a escritora, psicóloga e orientadora educacional Mariana Motta. Ela publicou o livro “O poder de me proteger”, sobre prevenção de abuso às crianças e como orientar os pais sobre a melhor maneira de abordar o assunto com os filhos, logo, protegê-los. A especialista propõe atividades práticas para ajudar crianças a concretizarem o que foi aprendido e fortalecer o vínculo com o adulto leitor. Há ainda um espaço para o público infantil refletir sobre quem são as pessoas de sua confiança e uma técnica que utiliza bandeiras para ensinar sobre os conceitos de “seguro” e “inseguro”. Proteger nosso maior tesouro é proteger o próprio futuro. Leiam e compartilhem.
Mariana, do que trata seu livro “O poder de me proteger”? Proteger quem, o quê e de quem?
Uma ferramenta para proteger as crianças do abuso sexual. No livro, as crianças aprenderão sobre consentimento, limites corporais, sentimentos, toques seguros e inseguros, segredos, partes íntimas, adultos de confiança e muito mais. Habilidades para que sejam agentes ativos de suas próprias seguranças. Clareza e voz ativa perante seus direitos; saber o que fazer quando estes direitos estão sendo violados por quem quer que seja.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública informou que 41 mil crianças de até 13 anos foram vítimas de estupro em 2022. O que pode explicar esse absurdo?
Sim. Mas, embora estes números sejam exorbitantes, não representam um aumento, mas um aumento no número de denúncias - crimes extremamente subnotificados. Estima-se que apenas 10% dos casos são denunciados, ou seja, os números são muito maiores. Um aumento nas denúncias pode ser um sinal de que este crime está sendo desnaturalizado pela nossa sociedade, mais informada.
Além da repressão deste crime, cabe a educação sexual das crianças sem macular a inocência das crianças?
O que macula é sofrer abuso, ser violentada, erotizada e adultizada. Educação Sexual faz o oposto. Sem informação não existe proteção. Como nos proteger sem conhecimento? Quando pensamos em prevenção a abuso, não há como fazê-la sem informação.
Também é assunto de criança ensinar sobre consentimento e toques seguros? O que são “toques seguros”?
Com certeza. Crianças são seres dignos. Aprender sobre consentimento ajuda a estabelecerem limites, tomarem decisões sobre seus corpos e a reconhecerem quando estão sendo desrespeitadas e/ou violadas. “Toques seguros" ou "toques do sim" são toques que consentimos, desejamos e permitimos. Eles nos fazem sentir protegidos, amados, cuidados e seguros. Também é necessário ensinar sobre "toques inseguros" ou "toques do não", aqueles que não consentimos, que nos fazem sentir confusos, envergonhados, irritados, angustiados, com medo e até com dor.
Por que é importante nomear as partes íntimas? Também não é muito para a pureza de uma criança?
Os adultos tendem a associar as partes íntimas somente ao ato sexual e se sentem desconfortáveis em usar os nomes corretos, preferindo apelidos mais "inocentes" e "mais bonitinhos". Ao evitar esta linguagem, pode-se passar a impressão de algo a ser evitado, errado ou vergonhoso. Por que cotovelo é cotovelo, pé é pé, mas vulva é perereca? Por que somente estes nomes não podem ser falados? Deve-se ensinar à criança que todas as partes de seu corpo são importantes e que não há vergonha, tabu e estigma ligados a nenhuma parte. Isso ajuda a construir uma imagem corporal positiva. O mais importante é que os pais falem da forma como se sentem à vontade e seguros. Dica para as famílias: fazer essa transição de forma gradual, usando o apelido e em seguida o nome correto, por exemplo: “Filho, lave seu pipi, seu pênis” até que se sintam confortáveis para usar somente o nome correto.
Incentivar o diálogo também é importante, mas entre pais e filhos, concorda? Como é possível incentivar esse diálogo?
O diálogo entre pais e filhos é essencial, e deve ser estimulado desde cedo, validando seus sentimentos, se interessando por eles, aprendendo sobre o que gostam etc. É importante lembrar que, se o canal de comunicação não for aberto e o vínculo de confiança não for construído na infância, na adolescência será mais difícil porque os filhos procurarão os amigos ou outras fontes, como a internet. A tendência é eles ficarem mais distantes dos pais do que na infância. E crianças precisam de outras figuras de confiança, além dos pais. Mais de 70% dos casos de abuso sexual ocorrem dentro da casa da vítima, então poder confiar e contar com alguém fora deste local é imperativo.
Foto: divulgação
Quais são os conceitos de “seguro e inseguro”?
Aprender o significado da palavra "seguro" e "inseguro" ajudará a criança a identificar situações perigosas. Um segredo parece muito inofensivo, não é? “Segredos seguros”, eventualmente, todos saberão e ficarão felizes. Causam sentimentos como: felicidade, amor, animação. Os “segredos inseguros” são aquelas que alguém pede pra não contar nunca e ameaça dizendo que algo ruim acontecerá se for revelado. Causam medo, tristeza, vergonha, nojo, na maioria dos casos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Entender o conceito de seguro e inseguro é fundamental para a prevenção do abuso. 90% das vítimas não contam e guardam este segredo por anos ou até por toda a vida.
Que conselho você dá a pais, professores e cuidadores para abordar o assunto com crianças?
Não deixe para depois o que você pode fazer agora. Não deixe para começar a conversar com seu filho quando ele for mais velho, se você pode fazê-lo agora. Não deixe para denunciar na semana que vem, se você está suspeitando de algo agora. Não acreditem em mitos e se equipem para educar as crianças de forma assertiva, respeitosa e correta. Uma criança informada é uma criança protegida. Uma família informada é uma família protegida. E uma escola informada é uma escola protegida e que protege seus alunos. Sejam os protagonistas. O abuso sexual, contra crianças e adolescentes, acontece debaixo dos nossos tetos, mas a boa notícia é que há muito que podemos fazer para protegê-los, e tudo começa por nós. Vamos juntos protegê-los!