Paulo Navarro | segunda, 13 de março de 2023

Entrevista com o cirurgião plástico Carluz Miranda. Foto:  Arquivo Pessoal

A Luz da Vocação

Carluz Miranda é médico formado pela UFMG, com especialização em Cirurgia Geral e, posteriormente, em Cirurgia Plástica pela rede FHEMIG, porta para inúmeros congressos, eventos e cursos no Brasil e no exterior. Hoje, está à frente da Clínica Máxima, onde exerce a Cirurgia Plástica Estética, mas também a função de preceptor dos residentes em Dermatologia e Cirurgia Plástica da rede FHEMIG. Em quase treze anos, aproximadamente, uma centena de jovens médicos entre dermatologistas e cirurgiões plásticos já passaram pelo serviço e captaram, perdoem o trocadilho infame, a luz de Carluz. Por falar nisso, comecemos a aula de hoje, com um pouco de História do Brasil, perguntando a vocês: quem foi o “mais rápido” presidente do Brasil entre 8 e 11 de novembro de 1955? 

Carluz, este nome, prá lá de original, não é homenagem ao Wando, concorda?

(risadas de bom começo de entrevista). Não. Carluz é o nome do meu pai. Foi herança.

OK. E por que teu pai recebeu este nome?

Foi uma homenagem ao presidente do Brasil, Carlos Luz, que era mineiro, de Três Corações. (Em novembro de 1955, o presidente Café Filho ficou inativo por motivo de doença. Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, era seu sucessor legal e foi empossado em 8 de novembro. Entretanto, após acusações de conspiração contra a posse do eleito Juscelino Kubitschek, sofreu um impeachment).

Ainda bem que você não seguiu a política, mas por que escolheu cirurgia plástica?

Na faculdade de medicina, já começamos a fazer escolhas. E são muitas. O médico que não quer ver sangue pode ser um clínico ou um psiquiatra. Aquele que não quer se relacionar com paciente pode trabalhar em laboratório. Enfim, na faculdade, começamos a eliminar as especialidades com as quais não nos identificamos. 

Como foi com você?

Desde o início, eu queria alguma especialidade cirúrgica. Mas o estudante de medicina não deve focar ou direcionar a sua formação na futura especialidade. É importante vivenciar a graduação em sua plenitude para que se forme um médico completo e com sólido conhecimento em fisiologia humana e clínica médica. 

Não foi o caminho mais longo ou complicado?

Vivenciando a graduação, será formado um médico capaz de exercer medicina de verdade. Um médico capaz de enfrentar desafios e tratar complicações. E não somente um técnico “operador”... Terminada a faculdade, o recém-formado deve ingressar em um programa de residência médica. Foi durante a residência de cirurgia geral que escolhi a cirurgia plástica.

Como vê a Cirurgia Plástica contemporânea?

O campo é muito vasto. Embora a maioria associe cirurgia plástica à Estética, esta é só um capítulo da especialidade. A plástica como especialidade médica, surgiu durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918). E sua origem foi exatamente de caráter reparador com o objetivo de tratar os feridos e mutilados de guerra. Sempre vi com admiração a transformação que uma cirurgia pode proporcionar a uma pessoa. 

Atualmente as técnicas avançaram muito!

Trabalho muito com cirurgia de calvície (transplante capilar). Há 20 anos, quando comecei, realizávamos a técnica FUT, aquela que tem corte no couro cabeludo. Hoje realizamos a técnica FUE em quase 100% dos casos, onde extraímos o folículo piloso através de um orifício puntiforme, ou seja, sem cortes. 

E nas outras? Também 1001 técnicas?

Na cirurgia de contorno corporal, muito se evoluiu também. Antigamente, não se podia realizar abdominoplastia associada à lipoaspiração. O paciente devia realizar uma e, depois de alguns meses, a outra. Hoje as técnicas modernas não só permitem a associação das duas, como muito se avançou em termos de tecnologia, equipamentos associados ao ato cirúrgico, visando aprimoramento de resultado, veja a tão falada lipo HD!

A medicina, como o tempo, não para.

Nas cirurgias de mama, também temos uma melhora na qualidade dos implantes e constante evolução das técnicas de mamoplastia. Enfim, vejo a cirurgia plástica evoluindo. Vejo a demanda crescendo. As pessoas buscam cada vez mais a autoestima. Mas lamento a banalização da especialidade. Não gosto quando a cirurgia plástica ganha um ar de salão de beleza. A sensação de que tudo é lindo e glamoroso pode trazer falsas expectativas sobre uma cirurgia a ser realizada. 

O problema é bem mais sério que o “salão de beleza”, certo?

Observa-se hoje uma tendência à realização de “cirurgias plásticas” por médicos não especialistas e sem a devida formação. Eventualmente, observam-se profissionais não médicos realizando procedimentos também. Esta situação é ainda pior, pois configura crime de exercício ilegal da medicina.

E claro, o resultado sobra para vocês.

Em nossa clínica, não raro, recebemos complicações de procedimentos indevidamente realizados. Tratar uma complicação é sempre mais difícil que realizar uma cirurgia primária. Em resumo, vejo o lado bom da cirurgia plástica contemporânea com todo avanço científico e evolução técnica. Mas não há como não lamentar a banalização que a especialidade vem sofrendo.

E o futuro?

Existe um aforismo em medicina que diz assim: “A medicina é a ciência das verdades transitórias”. Tenho uma tendência a achar que as coisas andam em ciclos. Não acredito que a cirurgia plástica vá falir com a banalização e com invasão por parte de outros profissionais. 

Pelo jeito, muito pelo contrário.

Pelo contrário, acho que será exatamente nesse “balaio de gato” que vamos conseguir separar o joio do trigo. Os bons profissionais vão se sobressair. Aqueles que aprenderam a fazer algum procedimento num cursinho de final de semana tenderão a sair do mercado naturalmente... Tal qual a seleção natural de Darwin! 

Seleção e evolução?

Penso que a especialidade vai se renovar. As relações serão diferentes. Quem sabe um resgate da cirurgia reparadora? Quem sabe uma cirurgia plástica estética e reparadora indivisível, como defendia nosso patrono, Ivo Pitanguy?

Por que insiste em exaltar a cirurgia reparadora?

A maioria dos cirurgiões plásticos começa a carreira exercendo cirurgia reparadora: cirurgia de queimados, câncer de pele, trauma, fraturas de face, etc. À medida que a clínica privada vai amadurecendo, o cirurgião vai paulatinamente reduzindo a cirurgia reparadora e dedicando-se mais à estética cujo retorno financeiro é maior.

Não acha esta colocação meio polêmica?

Para explicar melhor, preciso contar uma história. Em determinada fase da vida, busquei crescimento espiritual inspirado em um amigo que exercia e, até hoje exerce, várias ações de amparo e solidariedade ao próximo. E então fui convidado para servir sopa aos sem teto, uma vez por semana. 

Sim, mas perdão, quais as “letras” desta sopa?

Outro amigo que é professor de antropologia da UFMG me puxou a orelha: “Você quer fazer o bem? Não vá servir sopa! Isso todos podem oferecer! Vá servir seus préstimos cirúrgicos!”. Ele tinha razão! Naquele momento, eu entendi que devia seguir sim com cirurgia reparadora, especialmente aos que não têm acesso.

“Sopa”, mas de bisturi?

Tratar o câncer de pele, realizar nossas reconstruções traz gratidão. Servir ao próximo é gratificante. Edifica. Cidadania é exercida. Deixamos uma sólida contribuição à sociedade. Portanto exalto a cirurgia plástica como um todo. Estética e reparadora. 

Influência dos mestres como o já citado Pitanguy?

Quando residente, meus heróis eram os cirurgiões capazes de fazer tudo em cirurgia plástica. Operavam bem a mama, reconstruíam primorosamente um lábio leporino, tratavam sequelas de queimadura, etc. Acho fantástico fazer uma rinoplastia estética obtendo maravilhoso resultado. Mas tão ou mais extraordinário, é poder reconstruir um novo nariz àqueles que o perderam, seja por trauma ou doença.


Para saber mais sobre o trabalho do Dr. Carluz Miranda, acesse @clinicamaxima.