Paulo Navarro | segunda, 12 de junho de 2023
Entrevista com o artista Rodolfo Cascão. Foto: Maíra Cabral
Argamassa e Ponte
Argamassa é a mistura de cimento, areia, cal, água e sua principal utilização é ter a função de cola para unir os materiais da sua construção. O ator, mobilizador social, dramaturgo, cordelista e, pasmem, até ex-prefeito, Rodolfo Cascão, na flor de seus 70 anos, continua “ativo, saudável e criativo”. E, claro, o homem argamassa é aquele que liga ideias, projetos, pessoas... Os 70 anos foram muito bem comemorados, mas Cascão, com seu Grupo Parangolé, quer continuar sendo raiz, tronco e galhos: “combatendo o racismo, o machismo, as intolerâncias que compõem ainda a mentalidade vigente”. Como os sonhos, o artista não envelhece, tem histórias, memória e muitos planos. Boa sorte e muita poesia. Principalmente numa hora dessas.
Rodolfo, é difícil, mas consegue resumir 70 anos de vida com arte e cordel?
É um privilégio chegar aos 70 anos ativo, saudável e criativo. Sou plural! Como educador popular me orgulho de ter contribuído para a formação da cidadania. Como mobilizador social me envolvi em incontáveis projetos sociais, ambientais e de direitos humanos. Ativista da cultura e por direitos, fui inclusive prefeito no Mato Grosso com uma administração popular. Em todas essas dimensões a arte sempre me atravessando, o teatro e o cordel presentes como testemunhos poéticos dessas realidades.
Como foi a recente comemoração dos 70 anos?
Desde dezembro, quando fiz 70 anos, estou em estado festivo. Primeiro, uma festa na quadra da Escola de Samba Cidade Jardim com 250 pessoas, comes e bebes, shows carinhosos de grupos amigos, forrozão e muita alegria. Lancei também o livro “Argamassa”, coletânea de cinco décadas de poesia, teatro, cordel e outros escritos. Acabo de fazer cinco apresentações do meu espetáculo “Cordéis dos Cafundó” no Teatro Marília com casa cheia, uma peça que já rodou mundo com uma centena de apresentações.
Alguma arte prevalece no mundo do ator, mobilizador social, dramaturgo e cordelista?
Todas as artes pulsando: continuo produzindo, escrevendo, dançando, teatrando, inclusive com um projeto de formação em cordel na comunidade de Azurita, Mateus Leme. O projeto Cordelizando já difundiu a literatura de cordel e formou cordelistas em dezenas de cidades mineiras e periferias de Belo Horizonte.
Por que o cordel? Continua popular, mais democrático?
O cordel apesar de ter vindo da Península Ibérica, aqui no Brasil, encontrou um terreno fértil devido essa nossa formação com influências dos indígenas, negros, europeus e imigrantes de vários continentes. O Brasil é o único país que mantém essa cultura viva. Estima-se hoje cerca de dois a três mil cordelistas ativos, quase 40 mil títulos já publicados. Por que é tão popular? Não precisa de diploma para ser cordelista, é um livreto que contém uma estória simples e encantatória, é barato e fala ao coração do povo. A poesia mais democrática que existe.
Uma breve história do Grupo Parangolé...
O Grupo Parangolé Arte Mobilização completa 25 anos no ano que. Nossa matéria prima sempre foi a cultura popular, extraindo os cânticos, danças, vestimentas de folguedos, enfim, todo esse acervo simbólico que é maravilhoso. E o segundo elemento é que somos um grupo artístico que trabalha causas públicas, sociais, diria até, políticas. Peças artísticas que buscam refletir e combater o racismo, o machismo, as intolerâncias que compõem ainda a mentalidade vigente.
Rodolfo Cascão. Foto: Maíra Cabral
Voltando ao “Argamassa – livro de poesias, cordel e textos teatrais”, por que argamassa?
O livro é uma caixa box com oito fascículos, aos moldes das cartilhas populares, divididos em quatro temáticas: Poesia, Cordel, Teatro e Mosaico, que reúne crônicas, contos, artigos, besteirol e outras criações que fui juntando nesses tempos que andei circulando por aí. Tem um quinto, batizado de “Cascão”, onde sou apresentado por pessoas que fizeram interconexões comigo em várias fases da vida. No livro, há uma epígrafe que diz: “No fazimento da vida, me vi argamassa e não tijolo”. É que me considero uma pessoa que liga ideias, projetos, pessoas...
Onde fica o cafundó de “Cordéis do Cafundó”?
Cafundó é uma metáfora que remete ao distante, desconhecido, o interior. E é exatamente essa a intenção de trazer o sertão, o interior do Brasil, para a cena urbana. A importância que tem o tempo cósmico do sertanejo, do quilombola, do indígena que têm uma devoção à natureza, vivem o seu ciclo e buscam venerá-la e preservá-la porque dela precisam e é ela que compõe a sua religiosidade. Aprendi isso quando morei durante 13 anos no Mato Grosso num povoado de 50 casas. Isso me marcou e compõe hoje a minha substância criativa.
Rodolfo Cascão. Foto: Maíra Cabral
Planos e projeto para este “finzinho” de 2023?
Os sonhos nunca envelhecem, já disse o poeta. Um deles é celebrar a trajetória do Grupo Parangolé com a edição de um livro contando essa história e o ano que vem trazer a público alguns esquetes, peças e intervenções que criamos nesse percurso, que chegam a quase uma centena de produções. O espetáculo “Cordéis do Cafundó” é um monólogo em que declamo 12 cordéis notáveis da nossa literatura de cordel. Como sou um ator recitativo, pretendo criar um espetáculo com poesia moderna. Acho que o mundo nunca precisou tanto de poesia como atualmente.