Paulo Navarro | segunda, 10 de abril de 2023

Entrevista com o maestro Fabio Mechetti. Foto: Rafael Motta

A Batuta de Condão

Como apresentar, em poucas linhas, o Maestro Fabio Mechetti, diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais? Impossível! O homem tem mestrado na Juilliard School, em Nova York! Na Orquestra Filarmônica da Malásia, foi o primeiro regente brasileiro titular de uma orquestra asiática. Foi regente titular de várias orquestras norte-americanas. Foi regente associado de Mstislav Rostropovich na Orquestra Sinfônica Nacional de Washington. Foi vencedor e aplaudido na Dinamarca, Suécia, Finlândia e Itália. Aqui no “Sul”? Na Argentina e, ainda este ano, estreia no Festival Casals, com a Sinfônica de Porto Rico. Depois, volta a reger a Orquestra Sinfônica Nacional da Colômbia, em Bogotá. E pensar que Fabio está entre nós, logo ali em seu templo, a impecável Sala Minas Gerais. Suas respostas são ricas e emocionam, enchem-nos de orgulho. Mas vamos terminar esta “ouverture” citando uma de suas mais poéticas respostas: “A missão de uma orquestra é divulgar, valorizar e fomentar a apreciação desse repertório magnífico que se eternizou por séculos e de investir na formação de um público que seja cativado por esse arsenal. Afinal, ele não sobreviveu todos esses séculos por nada. Nossa matéria-prima é o ápice da realização humana no campo dos sons”. E dos sonhos. Bravo!

Fabio, este sobrenome italiano, ajudou a descobrir, a gostar de música clássica desde criança?

Não o sobrenome em si, mas o ambiente familiar em que nasci. Meu pai e avô eram maestros. Desde menino eu frequentava os concertos e óperas no Theatro Municipal de São Paulo onde eles atuaram como regentes. Foi essa vivência que deu impulso ao meu amor e interesse pela música clássica.

Consegue resumir sua trajetória de São Paulo, onde você nasceu, até Belo Horizonte?

Até 1981 estudei e comecei minha carreira em São Paulo. Depois, fui aos Estados Unidos para realizar mestrado na Juilliard School, em Nova York e acabei aproveitando as oportunidades que me foram surgindo. De 1985 a 2015 fui regente titular de várias orquestras norte-americanas. Em 2007, recebi um convite do Estado de Minas Gerais para trabalhar no processo de criação da Filarmônica. Desde então, vimos trabalhando para transformar esse projeto em realidade, ajudando a construir um patrimônio cultural do qual todos nos orgulhamos.

E no meio do caminho você teve um privilégio para poucos: Rostropovitch. Um presente para sempre?

Ter a oportunidade de trabalhar e conviver com um dos maiores gênios da história da música marca sua vida para sempre. Aprendi com Rostropovich não somente questões musicais, mas também com sua personalidade, foco, envolvimento, disciplina, energia.

Qual a diferença entre regente e maestro?

Na prática, nenhuma. Pessoalmente, acredito numa definição de cunho acadêmico: Maestro é um título (e se refere ao “mestre”). Assim como nem todo médico é Doutor, pois não tem doutorado, nem todo regente é Maestro. De todo modo, independentemente de títulos, somos todos profissionais – no caso, uns do corpo e outros da alma.

Fabio Mechetti. Foto: Daniela Paoliello

O que é a Filarmônica de Minas Gerais?

A Filarmônica de Minas Gerais é um símbolo de que, sim, é possível se pensar em ter, no Brasil, iniciativas e projetos de excelência. Com trabalho sério, entendimento do papel da cultura de qualidade, busca constante de excelência, crença na força transformadora da música na sociedade em que ela atua. A Filarmônica se estabeleceu como o maior projeto sinfônico da América Latina neste século. Não existe exemplo semelhante de que uma orquestra deste nível e uma sala da qualidade acústica da Sala Minas Gerais que tenham sido criadas no Brasil e no restante das Américas. Devemos reconhecer isso e nos orgulhar muito desse fato. Afinal, somos todos responsáveis por ele.

Nós já tínhamos a Sinfônica. Uma orquestra é pouco, duas nunca são demais?

Existem cidades, como Londres e Tóquio, que têm mais de 10 orquestras profissionais de nível atuando constantemente. Um país com as dimensões e população do Brasil deveria ter muito mais do que tem. Sabemos que orquestras são projeto difíceis, caros e desafiadores, mas, se houvesse entendimento de que orquestras são veículos civilizatórios, que transformam a sociedade, que a educam, que suprem necessidades humanas escassas na vida contemporânea atual, outras orquestras poderiam ser criadas em regiões que ainda não possuem esse tipo de acesso.

BH tem tanto público para a música clássica? Quem é o feliz público da Filarmônica, na Sala Minas Gerais?

Os resultados parecem dizer que sim. Não só nos números, mas também na diversidade daqueles que comparecem aos nossos concertos. A despeito do que dizem, nosso público é mais jovem do que a média de público de outros países. Temos uma mescla saudável dos mais aficionados amantes da música sinfônica com aqueles que estão descobrindo a riqueza e beleza da música de concerto.

Mas o repertório, para agradar gregos e troianos, não é apenas clássico, concorda?

Não, mas a missão de uma orquestra sinfônica profissional é divulgar, valorizar e fomentar a apreciação desse repertório magnífico que se eternizou por séculos e séculos e de investir na formação de um público que seja cativado por esse arsenal. Afinal, ele não sobreviveu todos esses séculos por nada. Nossa matéria-prima é o ápice da realização humana no campo dos sons.

Como uma orquestra consegue sobreviver no país que, apesar de Villa-Lobos e Tom Jobim, agora é o país do sertanejo, axé e pagode?

Desenvolvemos uma equação que, acredito, responde a essa realidade. Como projeto cultural de uma sociedade, toda ela (sociedade) deve se responsabilizar por sua viabilidade: governo, iniciativa privada, público em geral. Arte não é mercadoria e dificilmente consegue sobreviver dentro de regras de mercado sem perder a sua integridade. A participação crucial do Estado, dos patrocinadores e daqueles que acreditam na força transformadora da cultura ajuda a fechar essa conta. Sem esse equilíbrio entre as partes, ficaria muito difícil essa sobrevivência.

Como aumentar este público? Como atrair os jovens?

Essa percepção não é baseada em fatos. Como disse acima, nosso público é, em comparação com países de até maior tradição cultural, bastante jovem e responde com grande entusiasmo aos nossos concertos. Através dos Concertos para a Juventude, Concertos Didáticos e outros projetos, introduzimos as novas gerações à beleza da música sinfônica e, creio, estamos pouco a pouco despertando esse interesse pelo que fazemos.

Fabio Mechetti. Foto: Eugênio Sávio

A mídia não ajuda muito...

Logicamente, ajudaria muito se tivéssemos, na mídia, uma percentagem de interesse na música sinfônica parecido com o que ela tem nos esportes e entretenimento, por exemplo. Tenho certeza de que, se a música sinfônica tivesse o mesmo espaço, essa questão desapareceria.

Acha que as escolas deveriam introduzir as crianças à música de qualidade?

Sim, como parte de toda uma formação cultural que, em minha opinião, é extremamente deficitária nos currículos dos dias de hoje. Aprende-se muito de matemática, história, geografia, ciência, através da música. É só querer…

Agora, uma pergunta bem pessoal: seu compositor favorito!

Difícil, mas arrisco Mozart.