Paulo Navarro | Entrevista com Laís Vitral
Entrevista com a idealizadora e coordenadora geral do Acessa BH, Laís Vitral. Foto: arquivo pessoal
Cultura acessível
Lais Vitral é a idealizadora e coordenadora geral do Acessa BH – festival multicultural focado na inclusão de pessoas com deficiência, tanto artistas como plateias. Ela atua como gestora e produtora cultural há quase 20 anos, é parecerista credenciada no Ministério da Cultura, além de suplente da cadeira de Produção Cultural no Conselho Estadual de Políticas Culturais de Minas Gerais.
Na entrevista a seguir, Laís fala sobre os impactos sociais e culturais do festival, que está em sua quarta edição e vai até o dia 29 deste mês. A programação completa está no site www.acessabh.com.br.
Conte-nos um pouco sobre sua atuação profissional.
Sou gestora e produtora cultural há 20 anos. Já passei por instituições como Sesc Palladium e Instituto Cultural Sérgio Magnani, além de Pontos e Pontões de Cultura, grupos de teatro, dança, música e festivais diversos. Sou idealizadora, ao lado de Daniel Vitral, do projeto Acessa BH – festival multicultural que tem o protagonismo de artistas com deficiência e promove um evento acessível e democrático, reunindo pessoas com e sem deficiências nas plateias.
O que significa o termo "cultura DEF"?
DEF é um termo ainda muito recente e em desenvolvimento, que vai muito além da abreviatura da palavra deficiência. A cultura DEF é a arte produzida e pensada por artistas e outros profissionais com deficiência, como produtores, técnicos, consultores, entre outros. A arte DEF é essencialmente anticapacitista, não só nega a normatização do corpo sem deficiência, como afirma todo o potencial político e estético do corpo com deficiência. A valorização da Arte DEF é um princípio fundamental do Acessa BH.
O que motivou a criação do Acessa BH?
Em 2016, eu estava em Recife a trabalho, e tive a oportunidade de assistir, pela primeira vez, a um espetáculo com recursos de Libras e audiodescrição. Isso me instigou e comecei a pesquisar sobre o assunto. Foi quando me deparei com os dados alarmantes do Censo de 2010 feito pelo IBGE, que revelava que cerca de 24% da população brasileira tinha algum tipo de deficiência. E pensei: onde estão essas pessoas? Foi então que surgiu a ideia do Acessa BH, que é um festival que dá protagonismo para o artista com deficiência na cena e oferece recursos de acessibilidade para o público em toda a programação.
Como ampliar o protagonismo de artistas com deficiência?
Não é comum vermos as pessoas com deficiência em posição de destaque, e no caso das artes isso é muito claro. Raramente um personagem com deficiência é representado por pessoas com deficiência na dramaturgia, seja em novelas, filmes ou espetáculos. Na maioria das vezes, o papel é representado por alguém que não tem deficiência (cripface). Também é importante lembrar que o artista com deficiência não deve se limitar a interpretar um personagem com deficiência. A deficiência é mais uma característica, dentre tantas outras que ele possui, sendo assim pode interpretar quaisquer papéis e contar qualquer história. A mídia e as artes têm o poder de criar hábitos e tendências, difundir e propagar um pensamento. É preciso mostrar a diversidade de corpos e representá-la nas telas e nos palcos.
Quem pode assistir às atrações do festival?
O Acessa BH é um festival para todos – pessoas com e sem deficiência. Dentre os artistas que se apresentam, temos artistas com deficiência e grupos formados por pessoas com e sem deficiência. Temos acessibilidade em toda a programação, desde a recepção do público, passando por espaço de respiro, disponibilização de abafadores de ruído, material em braile até a acessibilidade na programação em si, com Libras e audiodescrição em todas as atividades, e Libras, legendas e audiodescrição nos filmes.
BH está preparada para receber eventos que demandam acessibilidade universal?
De maneira geral, as cidades não são amigáveis e acessíveis para pessoas com deficiência. Muitas pessoas e espaços acham que se tiver uma rampa, já existe acessibilidade. Mas é preciso muito mais. Acessibilidade pressupõe autonomia, segurança e conforto. E precisamos pensar em diversos tipos de acessibilidade, como arquitetônica, comunicacional e atitudinal.
Quais são os desafios na realização do Acessa BH?
Os desafios são enormes! Desde a captação de recursos para a realização do projeto, passando por tornar a divulgação e as redes sociais acessíveis ao público, entendendo as singularidades de cada artista/espetáculo, o tempo para preparar/incluir os recursos de acessibilidade, mobilizar o público, com e sem deficiência...
Como está a expectativa em relação ao público?
Este ano chegamos à quarta edição, e esperamos continuar ampliando cada vez nosso público, recebendo pessoas com e sem deficiência, para cumprir nosso objetivo de promover um evento acessível e democrático.