Domingo, 13 de outubro de 2024


Em imagens da montagem de 2011, da ópera "Nabucco", de Verdi, no Palácio das Artes, o barítono Rodrigo Esteves é o déspota Nabucco, em 2024. Foto: Paulo Lacerda

Ópera na Selva

Uma das cenas mais “absurdas e surreais” do cinema pertence ao filme “Fitzcarraldo” (1982), de Werner Herzog. Bem resumidamente, nela, o personagem de Klaus Kinski, “Fitzgerald” (Fitzcarraldo, na pronúncia dos nativos), fã do tenor Caruso, cisma em construir uma ópera no meio da selva amazônica. Para conseguir dinheiro, tenta encontrar uma nova rota para transportar a borracha que, à época, em pleno ciclo, valia ouro.

Ópera de Borracha

E para explorar a borracha o alucinado Fitzcarraldo compra um navio e se dirige ao local, transpondo morros e matas com o barco, “à custa de vidas humanas e muito sofrimento”. Uma ópera na selva! Aqui em Belo Horizonte, a Fundação Clóvis Salgado e o Palácio das Artes não precisam chegar a tanto, mas promovem inusitadas pré-estreias de suas óperas, principalmente as que encomenda e produz.

Ópera de História

Em 2022, a ópera “Aleijadinho”, antes do Palácio das Artes, aconteceu num dos palcos do escultor, a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Em 2023, foi a vez de “Matraga”, baseada em Guimarães Rosa, na Gruta do Maquiné, em Cordisburgo, terra do escritor. Em julho de 2024, “Devoção” teve pré-estreia no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, cenário original da trama.

Ópera Cosmopolita

Fechando a temporada 2024, com o clássico de Giuseppe Verdi (1813-1901), “Nabucco” (1842), fazendo alusão ao Monte Sião, em Jerusalém, a pré-estreia acontece, hoje, às 11h, dentro da Basílica da Piedade – Ermida da Padroeira de Minas, próxima a Caeté, nos píncaros da Serra da Piedade. Em BH, as apresentações completas têm lugar nos dias 17, 19, 21 e 23 de outubro, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Detalhe: ingressos esgotados.

Ópera Atual

A primeira produção de “Nabucco”, no Palácio das Artes, foi em 2011; a nova encenação tem direção musical e regência de Ligia Amadio; concepção e direção cênica a cargo de André Heller-Lopes; participação do Coral Lírico e da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. “Nabucco” é a resposta para a pergunta: “Podem o horror e o inominável inspirar beleza? ”.

Ópera da Vida

“Guerras, revoluções, destruição, violência, morte e o crime mais hediondo – a escravidão do homem pelo homem – sempre inspiraram obras-primas, em todas as artes. Daí ‘Nabucco’, mais atual que nunca, neste mundo cruel onde o tráfico humano é negócio que gera 150 bilhões de dólares por ano. Existem mais humanos em situação de escravidão atualmente do que em que em qualquer outra época da história”.

Ópera Libertadora

“Incluindo quando a escravidão era legalizada. Milhões destes escravizados são crianças”. O Brasil também faz parte desta nefasta estatística. E, entre outros temas, a ópera ‘Nabucco’ trata de escravidão e liberdade, em quatro atos, com libreto de Temistocle Solera, baseado em Nabucodonosor (1836), drama de Auguste Anicet-Bourgeois e Francis Cornu, apresentada dia 9 de março de 1842, no Scala de Milão”.

Ópera Redentora

Mas por que “Nabucco” numa hora dessas? Porque liberdade sempre, ainda que tardia. Além de clássico do repertório internacional e uma das óperas mais executadas em todos os tempos, “Nabucco”, 182 anos depois, tratando a escravidão nos tempos bíblicos, continua atual. Escravidão que foi e continua o maior crime contra a Humanidade.


Ainda na nova montagem de "Nabucco", em 2024, no Palácio das Artes, a soprano japonesa, Eiko Senda, também em papel principal, é a filha adotiva de Nabucco, Abigaille. Foto: Paulo Lacerda


Destacado pela iluminação, sempre na ópera "Nabucco", o baixo, Savio Sperandio é o sumo sacerdote dos hebreus, Zaccaria. Foto: Paulo Lacerda


Bravo! O presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, recomendou e milhares de pessoas esgotaram os ingressos para as quatro apresentações da ópera "Nabucco", nos dias 17, 19, 21 e 23, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Foto: Paulo Lacerda

Curtas & Finas

*Para Giuseppe Verdi e o público que descobria suas óperas, em uma Itália pronta a se inflamar com a mínima faísca patriótica, “Nabucco” é ópera pela qual tudo acontece.

Foi o primeiro triunfo popular, primeiro “toque de mestre”, primeira prova de que a ópera romântica italiana não aconteceria sem o jovem e temperamental Verdi, quase um desconhecido.

Neste panorama, Nabucodonosor é muito mais que um “trava-línguas”.

Nabucodonosor II, rei da Babilônia (605-562 a.C.), conquistou a Palestina, tomou Jerusalém em 586, deportou e escravizou os hebreus na Babilônia.

Fez executar, com trabalhos forçados, importantes construções, sendo, a mais famosa e uma das Sete Maravilhas do Mundo, os “Jardins Suspensos da Babilônia”.

Guerreiro herói para seu povo, cruel algoz para os conquistados.

À época da estreia, a Itália estava sob ocupação austríaca, fazendo com que a população milanesa se identificasse com o episódio da escravidão dos hebreus na Babilônia.

Principalmente no célebre “Coro dos Escravos Hebreus”, no terceiro ato (Va, pensiero, sull'alli dorate / Vai, pensamento, sobre asas douradas).

Coro lindo, símbolo do nacionalismo italiano. Uma ode à liberdade que, por diversas vezes, foi proposta como Hino Nacional da Itália.

E acabou-se o que era “Nabuccodoce”. Agora é entrar no Túnel do Tempo ou esperar outros 13 anos.