Paulo Navarro | Entrevista com Sílvia Negrão
Entrevista com a artista e professora Sílvia Negrão. Foto: Lu Diniz
Para os Meninos Lennon e McCartney
“Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças”, ensinou o poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935). A múltipla artista e professora, Sílvia Negrão, concorda com ele: “música para criança, além de leve e lúdica, deve ser elaborada e apresentada com a mesma qualidade musical das melhores músicas produzidas para adultos”. E assim trabalha nossa entrevistada, coroando sua longa trajetória com o álbum, “Casinha de Bambu”, com músicas do folclore musical infantil e composições autorais. Músicas que buscam a criança que fomos, como deseja o mesmo Fernando Pessoa: “A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou. Mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou”. E por aí foram e vão as casinhas de Sílvia, num fluxo gostoso de personagens, paisagens que instigam a imaginação das crianças e da criança que existe em cada adulto também. “Casinha de Bambu” traz, não apenas canções inteligentes, como um videoclipe em animação e um livro interativo.
No mais, importante mesmo é ser criança e terminar como começamos, com Fernando Pessoa: “mais vale ser criança que querer compreender o mundo”. Continue a leitura para ler a entrevista completa.
Sílvia, a paraense já é mineira?
Completamente mineira! Me apaixonei por Minas ainda menina, quando morava em Belém e, não por acaso, por causa de uma música. “Para Lennon e McCartney”, do Fernando Brant, Lô Borges e Márcio Borges, cantada pelo Milton Nascimento. E quando eu o ouvia cantar com o maior orgulho: “eu sou Minas Gerais”, nossa! Aquela frase germinava uma admiração e um amor no meu coração, que hoje toma conta dele, inteiramente, rsrsrs.
Como você define música infantil?
A música para criança é toda a música de boa qualidade que é produzida no mundo. Mas existem as específicas para as crianças, como é o caso daquelas que me empenho em produzir. Essa música precisa reunir, poesia, surpresas, delicadeza e alegria; boas pitadas de sapequice, temas em sintonia com o interesse das crianças, arranjos inteligentes, trazendo conteúdos musicais diversificados e instigantes dando o tom da brincadeira; tudo isso, para que a criança se identifique com as canções e estabeleça vínculos afetivos com a música.
Música para crianças, mesmo leve e lúdica, é coisa séria?
Sim, é coisa séria. Em princípio, pois o assunto que trazemos através da música deveria ser adequado para a criança. Todo o conteúdo musical deve passar pelo crivo da pertinência, do respeito à criança, do bom gosto, para que a música contribua não somente para sua recreação, mas para que adquirira valores, conhecimentos em seus momentos de fruição musical e tenha oportunidade de se expressar, em contato com essas vivências musicais.
Vivendo e aprendendo a brincar?
A criança vai adentrar o mundo pelo mundo da música da maneira que lhe é mais peculiar, através da diversão. Porém, embora a música para criança, em sua maioria, seja leve e lúdica, é importante que seja elaborada e apresentada com a mesma qualidade musical das melhores músicas produzidas para adultos. Assim produzo meus álbuns.
Fale sobre “Casinha de Bambu”... Música de infância?
Totalmente! No álbum “Casinha de Bambu”, trago músicas do folclore musical infantil e composições autorais. Trago parlendas, canções de personagens dos mais variados: “O Morcego Jardineiro”, “A Bruxinha da Terra”, que é divertida e cuida dos seres da floresta; a “Vovozinha” que conta histórias de reis e de princesas; músicas de assuntos mais reflexivos como “Quem sou eu?”, “Que amor é esse”, “Flamingos” e “Dente Mole”, sobre o momento cheio de expectativa da troca dos primeiros dentinhos... E por aí vai “Casinha de Bambu”, num fluxo gostoso de personagens, paisagens que instigam a imaginação das crianças e da criança que existe em cada adulto também, rsrs.
Disponível “apenas” no mundo das plataformas digitais e do planeta Youtube?
Então, nesta produção procurei diversificar o acesso, que hoje está bem direcionado e, quase exclusivamente, ao mundo virtual. Quis trazer a oportunidade de experenciar as músicas da maneira mais sensorial possível. Por isso produzi o álbum “Casinha de Bambu” com 17 lindas canções e essa produção, a elaboração de um videoclipe de animação para uma das músicas do álbum, a “Dente Mole” e também o livro do álbum, o “Casinha de Bambu – Músicas do Álbum e Brincadeiras Musicais”.
Mais que mundo, mundos!
A criança terá momentos de audição, de sentar no chão e segurar o livro com as mãos (muito importante isso), vai fazer a leitura das letras, cantar com a leitura (lembra como isso foi prazeroso para nós, adultos de hoje?). Vai apreciar as ilustrações, tocar as músicas lendo as cifras, e, com toda a certeza, inventar suas próprias brincadeiras e ainda brincar com as sugeridas no livro. Um verdadeiro deleite com as músicas. Como dizemos aqui em Minas, oh, bondade! Rsrsrs.
Muito trabalho coletivo também?
Para produzir “Casinha de Bambu”, trabalhamos, Caio Gracco Guimarães e eu na elaboração dos arranjos. Já trabalhamos juntos desde os primeiros álbuns, esse é o 4º. Eu trago a ideia do arranjo e Caio traduz isso em música e partitura, um “geninho”, esse amado. Ele dá conta de captar os meus devaneios musicais, rsrsrs. Há um arranjo em colaboração com Bruno Negrão e três em colaboração com Aline Carneiro. Eu sou responsável pela produção geral, direção artística e condução das vozes do álbum Casinha de Bambu.
Pelo jeito, tem mais gente!
Temos como convidados especiais: O Trio Amaranto, a Denise Ursine, o Palhaço Popó, Dona Lídia Carvalho, Maíra Magro, Solange Guedes, Cris Barulins e um grupo especialíssimo de 16 crianças que cantaram e encantaram a gente nas gravações. Você, ouvindo as músicas, verá que graça eles são. O livro do álbum foi elaborado pelo Antônio Fonseca, que fez a direção de arte e as ilustrações. As brincadeiras musicais foram elaboradas pela Mariana Bruekers e por mim. O videoclipe animado da “Dente Mole”, que ficou lindinho de tudo, foi produzido e ilustrado pela Lígia Mendes.
Como foram os lançamentos, incluindo o do livro, dia 26 de outubro?
Foi um mês de “muuuita” emoção. Começou com o lançamento do videoclipe, dia 5 de outubro. Dia 12, meu presente para a meninada e para as famílias foi o lançamento do álbum “Casinha de Bambu”, em todas as plataformas de música. Nasceu para o mundo! Dia 22 de outubro fizemos um show de lançamento do álbum para a Escola Municipal de Educação Infantil EMEI Jardim dos Comerciários, em Venda Nova e, dia 26 de outubro, o lançamento do livro “Casinha de Bambu” na Livraria Colorê. É a realização de um sonho fermentado por uns bons oito anos. Tenho agora a imensa alegria de vê-lo concretizado. O livro do álbum “Casinha de Bambu” é meu pulo do gato.
Pulo com tecnologia?
As músicas e a animação da “Dente Mole” serão acessadas através do QRCode que está dentro do livro que direciona para uma página de meu site. Nessa página a criança ouvirá o repertório do álbum na ordem certa e em seguida, como num CD e sem interrupção de anúncios. E o videoclipe não vai direcionar para nenhum outro vídeo, de maneira que a criança fica resguardada num ambiente seguro. Ao abrir o livro as crianças vão mergulhar no mundo das brincadeiras musicais em casa ou na escola, nas aulas de música.
“A menina é a mãe da mulher” Sílvia?
Tenho dentro de mim, muito bem preservado e atuante, meu lado de menina, bem acalentado e orientado pela Sílvia mulher. Sem dúvidas, misturo as duas em meu trabalho musical.
E Sílvia? Também professora? Cantora, compositora e produtora musical?
Sim, tudo nasceu do desejo de buscar um trabalho que me trouxesse vitalidade. Assim, parti para a pedagogia e passei a trabalhar ao lado das crianças. Depois chegou o momento de eu me permitir viver o sonho infantil de ser cantora e fui. Depois de uma década, aliei às atividades como cantora, aulas de musicalização para crianças, gerando os CDs, as composições e espetáculos para as crianças, e desse momento em diante minha carreira musical ficou, quase totalmente, direcionada para a infância.
E também “arqueóloga” do folclore brasileiro?
Ah, isso é outro viés delicioso da música. Encontrar novas pérolas do repertório folclórico. Aonde vou, nas viagens, nas oficinas de música para professores, estou sempre identificando oportunidades de conhecer novas músicas tradicionais, e foi assim que aconteceu com as músicas que resgatei para o “Casinha de Bambu”. “História Pequenina”, vem de Marapanim, cidade próxima à Belém. “Barca Formosa”, recolhi em Belo Horizonte, “Casinha de Bambu”, é uma releitura musical minha de uma música do folclore.
Cada música, uma “escavação”...
Sim. “Plam Plam Plam” é uma parlenda com a qual brinquei muito quando criança e trago no álbum a versão musical que fiz para brincar com meus alunos nas aulas de musicalização. “A Gangorra” e “Gotinha de Limão” são uma canção tradicional do Nordeste e uma parlenda recolhida em Goiânia. “Café tá Bão”, uma delícia de cantiga de trabalho que aprendi com Dona Lídia, uma senhora de Lavras Novas.
Bom, 2024 já é quase um calendário fora do baralho? Planos para 2025?
Sim, tenho um bom trabalho pela frente, graças a Deus! Continuar divulgando o “Casinha de Bambu”, produzir um curta de animação com minhas músicas já gravadas, lançar uma nova como single, que já está gravada, só aguardando o momento certo de ser divulgada e o lançamento de um livro infantil. Bastante coisa que certamente, me darão muita alegria e muito trabalho, por isso peço a Deus que nos ampare!