Paulo Navarro | Entrevista com Romina Farcae
Entrevista com a escritora Romina Farcae. Foto: Arquivo Pessoal
Todos os Caminhos levam à Romina
Quem te viu, quem te vê! Quem, há quase 30 anos, conheceu a menina Romina e hoje, conhece a múltipla mulher, uma máquina de trabalhar. Trabalhar muito e bem. Romina Farcae, a jornalista, roteirista, produtora audiovisual e diretora de documentários que, atualmente, empresta seus talentos à Fundação Clóvis Salgado, praticando um muito de tudo isso. Como leremos, Romina é mais uma artista que aproveitou a pandemia, de sinistra memória, não para chorar, mas para fabricar lenços. Um deles, dos mais interessantes, vamos conhecer amanhã, às 19h, quando ela lança, com autógrafos, o livro, "Inspiração Europeia a história de uma cidade planejada", na Livraria Leitura, do shopping Pátio Savassi.
No caso, a inspiração europeia está em sua cidade natal, a primeira cidade planejada de Minas, Dores do Indaiá. Como prefácio dessa entrevista, “convidamos” ninguém menos que Guimarães Rosa, em uma de suas impecáveis crônicas: “Sei, um pouco, seu facies, a natureza física muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que já estão nos sonhos a teoria dessa paisagem. Saberia aquelas cidades de esplêndidos nomes, que de algumas já roubaram: Maria da Fé, Sêrro Frio, Brejo das Almas, Dores do Indaiá...”. Dores?
A seguir, o analgésico!
Romina, para começar, quem é você e o que faz, além de escrever?
Eu sou uma mulher, mãe, jornalista, roteirista, produtora audiovisual e diretora de documentários. Considero-me “escritora de gaveta”. Quando fiz 50 anos resolvi organizar essas gavetas e descobri muitos livros prontos e quase prontos. Sou servidora pública, trabalho na FCS. E leitora, que lê menos que gostaria.
Farcae é um pseudônimo?
História curiosa… primeiro, sou filha única. Quando me formei, era usual jornalistas assinarem reportagens com nome e um sobrenome. O materno é Faria e o paterno é Caetano. Ao chegar “em” casa com a primeira reportagem para o jornal da faculdade, assinada com o sobrenome materno, senti uma “dor” no olhar do meu pai… e assinei a segunda reportagem com “Caetano”... Para sentir o mesmo olhar, desta vez, vindo de minha mãe… A terceira matéria seria sobre a campanha do Betinho, “Fome Zero”... Ele era o “irmão do Henfil”, (HENrique de Souza FILho), três letras do primeiro sobrenome, três letras do segundo… não tive dúvidas: e foi assim que passei a assinar (meus pais não comentaram).
Indo direto ao ponto, qual foi a primeira cidade planejada do interior de minas, ainda no século 19?
Dores do indaiá
De onde vem o belo e dolorido nome, Dores do Indaiá, que pelo menos escapou da triste sina de ganhar o nome do fundador, ilustre morador ou famoso filho político?
O nome foi se formando. A região onde se formou a cidade era um entreposto da Picada de Goiás, que ia de Pitangui a Paracatu. Foi chamada de “boa vista da serra”. O ajuntamento se tornou um arraial que, no início do século 19, chegou a ser chamado de Arraial de Nossa Senhora das Dores da Serra da Saudade do Indaiá. Resumindo, Dores vem da devoção à Nossa Senhora e Indaiá, das palmeiras, abundantes na região do entorno do rio de mesmo nome.
Cidades Planejadas costumam perder o planejamento e a mobilidade urbana simplesmente por nascerem antes dos automóveis dominarem a cena. É o caso de BH e também de Dores?
Belo Horizonte foi planejada para ser uma capital. Dores não, ambas foram rearranjos do espaço urbano que já possuía alguns fluxos definidos, mas no interior os automóveis demoraram a chegar. A cidade hoje cresceu pouco em relação ao traçado original, Dores tem cerca de três vezes o tamanho que tinha em 1898, já Belo Horizonte, nem sei dimensionar…
Por que "Inspiração Europeia a história de uma cidade planejada"?
O administrador público era um médico, filho natural do Barão do Indaiá, que viveu e estudou em Paris cerca de dois anos, entre 1876 e 1878. Lá ele teve contato com a reforma higienista de Haussmann. E o livro traz esse contexto, cada um dos quatro séculos abordados tem uma introdução do que acontecia no velho mundo naquele momento. Mas se a inspiração era europeia, a transpiração foi muito brasileira…
Paris em Minas planejada por um italiano? É isso mesmo?
Sim. Uma “petite Paris” em território mineiro, encomendada pelo filho natural de um barão imperial, planejada por um jovem engenheiro italiano, Francisco Palmério, que veio a ser o pai do escritor Mário Palmério.
O livro é sua estreia na literatura ou o livro reportagem é um ensaio para outros?
Fiz a pesquisa e o texto durante parte da pandemia. Não era para ser o livro de estreia, pois tenho um romance histórico (literatura) pronto. Mas os astros quiseram que a terra natal tivesse a primazia. Virão outros lá do fundo da gaveta!
Fale brevemente sobre a “Coleção Dores do Indaiá”.
O objetivo é destacar monumentos, manifestações artísticas, pessoas e histórias da cidade. Estão previstos volumes sobre as normalistas do internato da Escola Estadual Francisco Campos, inaugurada em 1928, e outro sobre o Congado, responsável pela principal festa anual da cidade, a Festa do Rosário, rica manifestação cultural da terra, que remonta aos anos 1800.
Mas tem mais...
Uma antologia das “Letras Dorenses”, textos escolhidos dos muitos escritores e poetas locais (Emílio Moura, Carminha Gouthier, Rubens Fiúza, Hipólito de Moura Faria, Waldemar de Almeida Barbosa, Francisco Campos, Stella Maris, Ana Vargas) só pra citar alguns. Um livro de fotografias, captadas pelos fotógrafos da cidade e uma ficção histórica sobre os garimpeiros da região também estão sendo considerados.
Agora, sobre o documentário que você dirigiu, "As águas, os povos, a natureza na MISF”. O que é MISF?
“MISF é a alcunha criada pelo professor Rubens Fiúza, para designar a região entre os rios São Francisco e Indaiá, onde se encontra a cidade de Dores do Indaiá, numa referência à civilização que surgiu entre o Tigre e o Eufrates.
Planos e novidades para 2025, se o mundo não acabar?
Tirar mais escritos da gaveta e publicar. Um romance histórico, um ensaio, um livro de contos, uma história infantil e uma série “young adult”… Quem sabe alguém se interessa?