Paulo Navarro | Entrevista com Roberto Vivo


Entrevista com Roberto Vivo. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Mãos e Olhos Vivos

Pouca gente, em Belo Horizonte, conhece o escultor uruguaio, Roberto Vivo. Claro, não sabem o que estão perdendo. “Muitas gentes” no Uruguai, Estados Unidos e Itália, os cosmopolitas de plantão, conhecem e aplaudem sua grande arte. Pouquíssima gente sabe que, recentemente, ele esteve em Belo Horizonte para conhecer o Instituto Inhotim. O homem, que expõe mundo afora, ficou boquiaberto com o que viu, principalmente porque não existe, no mesmo mundo adentro e afora, algo como Inhotim: “Nunca esperei encontrar algo tão magnífico, com obras de autores que estão entre os mais importantes do mundo, em meio à uma ‘selva’ desenhada por Burle Marx”.

A selva, no caso, é o paisagismo, o grande diferencial de Inhotim que, quem sabe, um dia, terá um jardim para Roberto Vivo chamar de seu! Enquanto isso, ele continua produzindo belezas em seus três ateliês e muito mais que isso, procurando, através da arte, paz e justiça para a grande tribo humana, da qual é um dos menestréis. Mas chega de introduzir, penetremos os labirintos de uma arte, literalmente, viva!

Roberto, comecemos pelo recente. O que o motivou a visitar Belo Horizonte? Conhecer o Instituto Inhotim?

Tenho um desafio pendente, o de que minhas obras cheguem ao Brasil. Por isso, seguindo o conselho de Emilio Kalil, diretor superintendente da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, a quem fui apresentado por nosso amigo comum, Fernando Areco “Motta” Domínguez, decidi que deveria contratar um curador para que conheça e analise minha obra. O passo seguinte foi conhecer os mais importantes museus do Brasil e, entre eles, o maior e mais importante parque de esculturas do mundo, Inhotim, resultado da paixão e do compromisso com a arte, por parte de Bernardo Paz. Um grande empresário de Belo Horizonte que deixa este legado para a humanidade.

E o que achou mais, de Inhotim? 

Nunca esperei encontrar algo tão magnífico, com obras de autores que estão entre os mais importantes do mundo, em meio à uma “selva” desenhada por Burle Marx, uma obra de arte em si mesma. Foi tão forte o impacto desta visita, que culminou na busca de uma nova linguagem abstrata que busco e com a qual trabalho há anos. Cheguei ao meu ateliê de Punta del Este, depois de Belo Horizonte, e me pus a trabalhar em uma obra que será o guia desta nova linguagem, que combina diversos materiais, com mais de oito processos bem complexos e diferentes. Evidentemente, a obra se intitula, “Inhotim”.

Agora, Túnel do Tempo! Com que idade você se interessou pela pintura, antes da escultura?

Minha avó materna foi uma grande pintora e escultura. Foi quem me introduziu, em tenra idade, ao amor pela arte. Aos sete anos já pintava com entusiasmo e dedicação. Aos 16, descobri a fotografia e o cinema. Comecei pela Arquitetura, mas logo vi que não era para mim. Assim decidi deixar minha cidade, Montevidéu, para estudar Cinema em Buenos Aires. Pensei que o Cinema canalizaria minhas inquietudes criativas. Paralelamente, por sugestão de meus pais, estudei Administração de Empresas. Não me dei bem como cineasta já que, em meu país, não existia uma indústria, nem um mercado suficientemente grandes. Quando produzi meu primeiro filme, há 21 anos não se filmava no Uruguai. A vida logo me levou a construir uma exitosa carreira como empresário. Mesmo assim, até os 23 anos nunca deixei de pintar. Quando formei uma família, tive que me focar no trabalho e suspendi o lado artístico.

Que artistas te influenciaram? 

Aos 16 anos, vivi dois meses em Paris, visitei museus lá e em outras cidades na Europa. Passava semanas copiando quadros, em especial, os dos impressionistas. Apreciando dos clássicos ao expressionismo abstrato, o impressionismo continua meu período preferido e, entre os artistas mais importantes, destaco Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Picasso, Claude Monet e mui especialmente, Henri Matisse.

Quando começou nas esculturas?

Foi meu amigo e grande escultor Pablo Atchugarry, quem descobriu o escultor em mim. Para minha primeira mostra em Buenos Aires, na Galeria Zurbaran, realizei entre outras a tela “Estructura Orgánica # 7”. Para executar esta obra fiz moldes das figuras recortadas em cartolina e para não perdê-las colei na janela da sala de jantar na minha casa em Punta del Este que dá para o pôr do sol e comecei a tirar fotos.  

E qual foi o resultado?

Ao ver as diferentes imagens no pôr do sol, gostei tanto que comprei uma chapa de aço corten de 1,50m x 1,50m. Fiz um mastro, coloquei um trilho de oito metros atrás das plantas, contra a cerca de postes de madeira, de forma que, enquanto o sol se movia, eu podia mexer o mastro com a chapa para que o sol sempre estivesse por trás, produzindo imagens diferentes. Um dia, Pablo veio à minha casa, comer um assado, antes do pôr do sol, vê a chapa e diz: “Opa! Que lindo isso” e eu disse, “bom, te faço uma grande para o museu”. Ele me olhou sério e continuou: “mas isso não é uma escultura, é uma chapa plana, se vai me propor uma escultura, traga-me algo em 3D”. 

Que novela! E com final feliz, imaginamos.

Sim, provocado e motivado, fui para Miami, comecei a elaborar maquetes que viraram relevos, desenhos, esboços; uma proposta completa e detalhada. Meses depois, levei a Pablo Atchugarry que, finalmente, viu uma escultura e buscou o melhor lugar com o pôr do sol, no fundo do “Parque de las Esculturas”, em Punta Del Leste, onde nunca teve uma escultura e onde ainda está a “Capela do Sol”, inaugurada, em janeiro de 2023; uma “estrela”, uma das esculturas mais visitadas. No dia seguinte, visitei Pablo. Ele me abraçou e, com lágrimas nos olhos disse: “me perdoa por dizer que a chapa não era uma escultura, mas eu quis te desafiar porque, pela maneira como pintava, vi um escultor aí dentro”.  E assim nasceu Roberto Vivo escultor.


Que “mil” outras exposições você já fez?

Este ano participei pela terceira vez da “Art Miami” na semana de “Art Basel”, com a “Galería Coral Contemporary”. Na primeira participação, em 2022, minha escultura, “The Shape of Time”, inspirada na minha cidade, Mandello del Lario, no “Lago di Como”, foi selecionada como a única obra exibida no exterior, na entrada do salão de exposições. Em outubro deste ano, esta mesma obra será instalada permanentemente na praça Giuseppe Garibaldi, em frente ao “Lago di Como”, na mesma cidade. Também em Miami, como no ano passado, estaremos na “Art Palm Beach”. Em 2021 fiz a mostra, “Air, Wind and a Breeze of Fire”, na “Galería Coral Contemporary”, Miami. No Uruguai, em 2023, participei da “Este Arte” em Punta del Este, onde voltarei este ano. Agora e até fins de novembro estarei, paralelamente na “Bienal de Veneza”, exibindo telas e esculturas no “Palazzo Bembo”. No “Jardim da Marinaressa”, tenho uma escultura de 900 quilos e 2,40m de altura, “El Totem de la Tribu Humana”. Em outubro, também, pela “Coral Contemporary”, telas e esculturas na “Feira de Verona”. A mostra tem curadoria de Nato Thompson, autor e curador da Philadelphia, nos Estados Unidos. Finalmente, com Ricardo Cinalli e Chiara Baccanelli, representarei o Uruguai na “Trienal de Milão”.

Vi na tua página no Instagram, @roberto.vivo-art, que em Veneza, no “Liceo Benedetti Tommaseo” você fez um evento com o documentarista alemão, Marcus Vetter. Uma ligação com “El Totem de la Tribu Humana”? Pode nos descrever seu significado?

Claro! Quem “entra” no “El Tótem de la Tribu Humana” se conecta com a Terra e, de lá, pode dirigir seu olhar para os quatro pontos cardeais, celebrando a diversidade que representa as quatro direções da bússola. Celebrar de maneira autêntica a diversidade vai muito além da mera tolerância. Abarca o descobrimento do valor positivo que tem a variedade. É preferir a diversidade à unanimidade. Esta escultura convida o público a formar parte de um novo conceito global: a Humanidade. Deste modo, o diferente, o estrangeiro, o “outro”, que poderia perceber-se como uma ameaça, se converte em membro de uma comunidade global interconectada.

E em seguida? 

Criar leis globais para proteger a Tribo Humana e colocar um fim nas guerras, como as inclassificáveis tragédias humanas na Ucrânia, Iraque, Síria, Israel, Faixa de Gaza e tantos outros lugares do mundo. Na era nuclear, a guerra, como mecanismo de gestão de conflitos, ficou obsoleta. Pior, a guerra nuclear ameaça deixar ultrapassada a mesma Tribo Humana, ao submetê-la à uma potencial extinção auto-infligida. A guerra engendra vingança. A Justiça põe fim na mesma. A Justiça é civilização. A guerra é barbárie niilista. Entre o avanço da civilização e a devastação da guerra, somente podem se interpor poderosas leis globais e uma Justiça rigidamente aplicada. Só assim podemos proteger a Tribo Humana da destruição.

Voltando à tua pintura, como a descreveria?

No início, quando retomei a pintura, há dez anos, eu a descreveria como abstrata, com um esqueleto figurativo. Há dois anos experimento encontrar uma nova linguagem abstrata.

E mesmo assim, como disse, nenhum trabalho no Brasil, por enquanto...

Ainda não. Um desafio pendente há vários anos. Por um lado, meu sobrenome, “Vivo”, tem origem portuguesa. Em março, na cidade do Porto, com meu filho Lucas e minha nora Camila visitamos a pequena cidade de Seixas na fronteira com a Galícia, de onde vem minha família. Meu pai foi embaixador uruguaio no Brasil de 1985 a 1990 e este motivo, entre outros, foi determinante para que três de meus irmãos vivam no Brasil, há mais de 30 anos. Por isso e por negócios, visito o Brasil com muita frequência.

Onde mais você tem ateliê?

Tenho três e divido meu tempo, ao longo do ano, em Punta del Este (Uruguai), Miami (EUA) e Mandello del Lario (Itália).