Paulo Navarro | Entrevista com Ricardo Giannetti


Entrevista com Ricardo Giannetti. Foto: arquivo pessoal

Don Giannetti

Quando temos sorte, encontramos, uma vez por semana, na Savassi, o “gentleman” Ricardo Giannetti, uma aula ambulante de história, gentileza, cultura, inteligência, bom humor e ótima conversa. Movido à água mineral – pecado e milagre em mesas de bar – ele fala manso e tem histórias para dar, vender, emprestar e escrever. Principalmente quando o assunto varia sobre o mesmo tema: música clássica e sua prima, a ópera. À primeira vista é impossível imaginar sua trajetória musical, principalmente tocando violino numa orquestra. Mas conversa vai e vem descobrimos que o homem tem “berço” e sua erudição é mais natural que uma vocação. Depois de graduado em violino pela Universidade Federal de Minas Gerais (1977), estudou na Suíça, integrou orquestras, viajou e encantou a bordo de inúmeros concertos e recitais. Gosta de artes em geral e até escreve sobre o assunto esporadicamente.

Nesta entrevista, que podia ter capítulos ilustrados, ainda descobrimos mais sobre Giannetti. Que escreveu o estudo “Um músico brasileiro em Bayreuth”, na edição brasileira do livro “Richard Wagner e Tannhäuser em Paris”, de Charles Baudelaire (2013) e é autor do livro “Ensaios para uma história da arte de Minas Gerais no século 19” (2015). Na esteira, é severo admirador da música brasileira, que gostaria de ver, mais difundida e divulgada. Para terminar, teve até um pouco de tortura: ousamos perguntar sobre sua ópera, concerto e compositor favoritos. Para compensar, desejamos que Ricardo consiga realizar e repetir seus sonhos favoritos: mais viagens pelo mundo, em torno da música. O passaporte está na mão! Bom espetáculo a todos.

Ricardo, que história é essa de você ser “neto” do prefeito e do Parque Municipal Américo René Giannetti?

Sim, meu avô paterno, Américo René Giannetti, foi prefeito de Belo Horizonte, de 31 de janeiro de 1951 a 6 de setembro de 1954, quando faleceu no exercício do cargo. O prefeito que o sucedeu, eleito no pleito seguinte, Dr. Celso Mello de Azevedo, assinou, em julho de 1955, a lei municipal que deu o nome “Parque Municipal Américo René Giannetti”. Direcionado ao estudo biográfico do meu avô, escrevi os estudos “Américo René Giannetti: a industrialização e o planejamento econômico de Minas Gerais (1930-1950)” e “Américo René Giannetti: Plano-Programa de Administração para Belo Horizonte (1951-1954)”.

Você não herdou a vocação dele para político, empresário e industrial?

Não, não herdei. Minha mãe foi uma excelente pianista. Em nossa casa a música dominava. Eu, músico por formação, sou pesquisador e autor de estudos sobre a arte e a música brasileiras do século 19, em especial sobre a arte mineira oitocentista. As pesquisas que realizo geraram inúmeras publicações em livros, catálogos, periódicos e anais de encontros científicos da área.

Um exemplo, em especial...

Publiquei sobre o compositor Francisco Braga o estudo, “Um músico brasileiro em Bayreuth”. Escrevi o livro “Ensaios para uma história da arte de Minas Gerais no século 19”, publicado em dois volumes, em 2015 e 2022, no qual abordo o tema proposto em coletânea composta por vinte e um ensaios.

Para quem não sabe, Bayreuth é um tipo de Meca dos fãs de Wagner?

É uma cidade no norte da Baviera, Alemanha, onde viveu e morreu o compositor, Richard Wagner (1813-1883). Desde 1876, no verão, acontece o Festival de Bayreuth, famoso mundialmente. 500 mil pessoas disputam os “poucos” 58 mil ingressos no total.  Daí uma lista de espera por bilhetes de oito a 10 anos.

E hoje, como você vive a arte?

Exerço atualmente a presidência da Associação Cultural do Arquivo Público Mineiro ACAPM; sou membro da Associação dos Amigos do Museu Mineiro e do Conselho Consultivo da Associação dos Amigos do Museu Casa Guignard.

Mas bem antes, a parte que interessa: a música! Você é violinista ou foi! Como os atletas, os músicos também têm carreiras curtas?

Iniciei estudos de violino aos seis anos, com o professor Gábor Buza, aqui em Belo Horizonte. Entre 1978 e 1982, estudei com o violinista Ricardo Odnoposoff, no Conservatório e Escola Superior de Música de Zurich, na Suíça. Na qualidade de membro instrumentista, integrei a Symphoniches Orchester Zürich, tendo participado das primeiras temporadas de concertos que marcaram sua fundação, 1981/82 e 1982/83.

Mas a saga continuou...

No curso dos anos 1980/90, tornei-me professor e realizei concertos e recitais no Brasil e na Europa interpretando a música de câmara brasileira dos séculos 19, 20 e obras de compositores contemporâneos. A questão do instrumentista, assim como do dançarino, do cantor ou do esportista, é que toda a prática é baseada no desempenho, na performance. Estamos limitados pela ação do tempo sobre nossas condições física e mental.

Mas a música não te abandonou...

Claro que não! Ouço música todos os dias. Aprecio especialmente a ópera. Acompanho, sempre que possível, as temporadas operísticas.

Por que a Suíça e não a Itália ou Alemanha?

O objetivo era estudar com o mencionado professor Odnoposoff, um dos principais violinistas do século 20. E ele lecionava no Conservatório de Zurique. Foi realmente uma grande oportunidade. É preciso entender que o estudo de um instrumento cria necessariamente uma relação muito pessoal entre o mestre e o aluno, questão de “escola”, técnica, interpretação.

É verdade que você vai a São Paulo e exterior para apreciar concertos e óperas?

Trata-se de um costume muito comum entre aqueles que são apaixonados pela ópera, principalmente. O Municipal de São Paulo tem apresentado temporadas bem organizadas, publicadas com antecedência. Claro, não é possível frequentar as muitas temporadas oferecidas em teatros da América do Sul, Estados Unidos e Europa. Quando possível; ótimo! De qualquer forma, todas as viagens que consigo realizar estão necessariamente vinculadas a algum espetáculo, alguma exposição ou visita a museus.

Qual é ou foi o espetáculo inesquecível?

Impossível dizer. Frequento concertos e óperas desde a infância. Mas, para responder: recentemente assisti a uma montagem de “O Navio Fantasma” (O Holandês Errante), de Richard Wagner, aqui no Palácio das Artes, que pode figurar, sem dúvida, na minha prateleira de “espetáculos inesquecíveis”.

O que acha das orquestras de Belo Horizonte?

As orquestras têm bom nível artístico. Não compreendo o propósito de não estarem atuando em favor da Música Brasileira. Obras magistrais de compositores brasileiros não são ouvidas comumente nos concertos sinfônicos. E veja que o Brasil tem grandes representantes em todos os períodos da sua história.

Principalmente na Minas colonial...

A Música do Período Colonial (em Minas temos um repertório extraordinário), o Padre José Mauricio Nunes Garcia (cujo gênio encantou a corte portuguesa do príncipe D. João, quando aqui chegou), Carlos Gomes (que arrebatou o Teatro alla Scala de Milão e a Itália, na segunda metade do séc. 19) e Villa-Lobos (que projetou a música brasileira mundialmente). Para citar apenas alguns autores consagrados.

Qual tua ópera favorita? E concerto? E compositor?

Três perguntas impossíveis de serem respondidas. É cruel, mas vou tentar: Ópera: “A Valquíria”, de Wagner. Concerto: “Concerto para violino”, de Brahms. Compositores (em ordem alfabética, para não dar discussão): Alberto Nepomuceno, Francisco Braga, Henrique Oswald, Leopoldo Miguéz, Villa-Lobos. Dos mestres europeus: Brahms, Puccini, Schumann, Wagner. Eu me esqueci de Mahler. Com reverência, incluo seu nome na lista.

A música para você, também toca na literatura? Você escreve?

Não escrevo literatura, mas tenho boa biblioteca. Outra parte da biblioteca é dedicada a exemplares de história da arte brasileira publicados no século 19 e início do século 20. Tenho algumas raridades. O cinema, o teatro, as artes plásticas sempre fizeram parte das minhas ocupações e leituras. Tenho uma pequena coleção de arte brasileira. A principal atenção voltada para a pintura em Minas Gerais do século 19.

Para terminar, planos e viagens em torno da música?

Tenho sempre muitos planos de viagens. Quem sabe conseguirei realizá-los algum dia?