Paulo Navarro | Entrevista com Renata Feldman


Entrevista com a psicóloga, psicoterapeuta, escritora e professora universitária Renata Feldman. Foto: Dani Castro

Casos de Renata

Renata Feldman é psicóloga, psicoterapeuta, escritora e professora universitária. Com mestrado em Psicologia pela PUC-MG, dedica-se à psicoterapia humanista, com foco nas relações afetivas. Autora dos livros "Amor em Pedaços" e "Refúgio", e coautora de "O Livro das Cartas", Renata divide seu conhecimento através de palestras e de seu blog. Ao lado de sua mãe, Clara Feldman, também psicóloga, coordena a Feldman – Clínica de Psicologia. Acaba de lançar o livro "Casos de Amor”, uma coletânea de contos baseados em histórias reais ouvidas em seu consultório e na vida que emocionam e provocam reflexões sobre o amor em suas diversas formas.

Antes da consulta, a seguir, lembrem-se: “foi por medo de avião, que segurei pela primeira vez a tua mão”. Avião com A de Amor: tranquilo, gostoso, seguro, mas também cheio de turbulências, sustos, perigos e medos, quando a gente descobre que, nas emergências: “primeiro você, depois o outro, como costuma dizer a aeromoça sobre as máscaras de oxigênio. Questão de sobrevivência emocional”. Podem deitar no divã!

Renata, por que as relações humanas são tão complexas, complicadas?

Por pressuporem o estabelecimento de vínculos, convivências; interações afetivas e interpessoais entre seres humanos. E seres humanos são complexos, subjetivos, diversos, plurais. Cada pessoa tem um temperamento, uma personalidade, uma criação, um conjunto de crenças, expectativas, demandas, idealizações. E ainda há a questão das diferenças, tão conflitantes embora ao mesmo tempo tão importantes no sentido de contribuir com o crescimento e o desenvolvimento emocional. 

Mas existem relações e relações...

Algumas são realmente bastante complicadas, pela complexidade mencionada acima. E caminham para um processo de desgaste e deterioração ao invés de crescimento e soma. Depende muito de como cada relação é construída e cuidada.

Elas sempre foram assim e sempre serão?

A questão não é o tempo, a época ou o contexto histórico. A grande questão é o próprio ser humano, tão singular e complexo, tão cheio de conflitos e ambivalências, tão atravessado por suas carências, questionamentos, dores, transtornos, diferenças na maneira de se comunicar e agir.

Antes, as relações eram piores ou hoje são mais complicadas?

Claro que ambientes, épocas, mudanças culturais, avanços tecnológicos e o aumento pela busca da terapia e do autoconhecimento influenciam o comportamento humano e consequentemente suas relações. Mas enquanto essa análise recair sobre seres humanos, sejam os mais antigos ou atuais, teremos relações complexas e muitas vezes complicadas sim.

E estas relações perigosas vão além da “guerra dos sexos”?

Eu não classificaria essas relações como perigosas, na medida em que não necessariamente oferecem algum risco ou perigo (a não ser quando estamos falando de feminicídio, transtornos de personalidade, relações tóxicas, etc.). Como as relações humanas não são compostas apenas da dualidade homem-mulher, sua complexidade abarca todas as relações existentes: familiares, sociais, profissionais, interpessoais de modo geral.

Fale sobre “Casos de Amor”. Ficção baseada em realidade?

“Casos de Amor” é meu terceiro livro, dessa vez de contos; a maioria deles baseada em fatos reais, ouvidos na clínica e também na vida lá fora. O livro fala do amor da plenitude, mas também do amor que adoece e cura; o amor que rima com dor; que nem sempre tem um final feliz; o amor da falta, dos encontros e dos desencontros; o amor que de tão complexo e singular abarca temas como fidelidade, traição, autoestima, sexualidade, casamento, separação, saúde, doença, homoafetividade, solidão.

Uma “tradução, reflexo” do teu trabalho?

Temas que escuto diariamente no meu consultório, há mais de 20 anos e que agora foram parar nas páginas desse livro. Alguns casos tiveram a sua veracidade totalmente preservada, a verdade ao pé da letra; outros foram em alguma medida alterados, misturando fantasia à realidade. E alguns foram inteiramente ficcionados, inspirados em temas abordados na clínica e na própria vida.

Casos de amor incluem os de ódio?

Sim, com certeza. Os dois sentimentos, apesar de antagônicos, fazem parte da vida, das relações humanas, amorosas, e logo também fazem parte do meu livro. Nem sempre haverá um final feliz. Bem como a vida é. Situações como infidelidade, por exemplo, bastante abordadas no livro, geram sentimentos negativos como ódio, mágoa, tristeza, decepção, desaponto. Inevitável.

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Quais os maiores fantasmas das relações? Fidelidade, traição, autoestima, sexualidade, casamento, separação?

Amor rima com dor. E, justamente pela subjetividade humana e a complexidade que rege as relações afetivas, é possível haver desencontro no lugar de encontro; decepção no lugar de conexão; fim ao invés de continuidade. Experiências como traição, desrespeito, relações abusivas causam dores profundas. Também escuto muitas pessoas sofrendo com a perda de um grande amor, seja pelas vias da morte ou da separação, especialmente quando um dos parceiros vive a dor da rejeição.

Principalmente na sexualidade e no casamento?

Assumir a homoafetividade, por exemplo, é também missão muitas vezes difícil, permeada de medo e angústia. São muitos os fantasmas, os conflitos que atravessam a temática do amor. O casamento é mais do que um prato cheio para a terapia – é um verdadeiro banquete, repleto de temas a serem trabalhados. Costumo dizer que amar dá trabalho, muito trabalho!

Com direito a descanso, férias?

É um processo de construção. E muitas vezes reconstrução também. Fazendo uma pequena analogia, apesar do pó, poeira e barulho, a casa fica mais bonita depois de uma reforma. É possível transformar dor em amor também, recuperando o que foi perdido.

O amor romântico é herói ou vilão?

Não costumo categorizar as coisas, apesar de a vida fazer isso o tempo todo. Não sei se precisamos enxergar o amor romântico como herói ou vilão, mas sei que ele causa muito sofrimento. Há uma cultura de Hollywood, novelas e séries que acabam muitas vezes celebrando e enaltecendo a ideia do amor romântico. 

E há séculos!

Sem falar nos contos de fadas que são contados desde nossa tenra infância. Quando se olha para a dor gerada por essa romantização, abre-se uma janela para ressignificar o amor e aceitá-lo tal qual ele é: imperfeito, assim como o ser humano e consequentemente as relações vividas por ele.

Como tornar o amor infinito enquanto durar?

Cuidando dele. Desidealizando o que foi idealizado, romantizado. Lembrando que amor é construção, processo, via de mão dupla. Requer equilíbrio, força, respeito, paciência, vontade, resiliência, diálogo, aceitação e coragem para seguir junto de outro alguém. Só o amor não basta, não funciona. É preciso trabalhar as questões que vêm junto dele. E elas não são poucas. 

Fale mais sobre “o amor da plenitude e o amor que adoece e cura. O amor da falta, dos encontros e dos desencontros”.

Amor é sentimento, emoção. E como tal abarca dicotomias, contradições, toda uma pluralidade afetiva que corresponde essencialmente à complexidade do ser humano e das relações que ele vivencia. O amor não é matemático, exato, “isso ou aquilo”. Ele é um conjunto, muitas vezes difícil de entender, definir, e fácil de sentir. Apesar de deixar a gente nas nuvens, o amor vive colocando nossos pés no chão, muitas vezes na marra. Há o ideal, mas também o real. Há o encontro, mas também o desencontro. Abundância, mas também falta.

É remédio, veneno e antídoto?

Se o amor adoece, ele também tem o poder de cura, especialmente se a autoestima está fortalecida, preservada, cuidada. Importante lembrar que a relação mais importante que a gente tem é com a gente mesmo. Antes de amar o outro, precisamos aprender a amar a nós mesmos. Essa frase é bíblica e muito atual. Primeiro você, depois o outro, como costuma dizer a aeromoça sobre as máscaras de oxigênio. Questão de sobrevivência emocional.