Entrevistas

Entrevista com Paulo Carvalho Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Foto: Ostemberg Ramos

Saúde não tem preço

O médico endocrinologista e metabologista Paulo Carvalho Miranda é presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (2023/2024), preceptor da residência de endocrinologia e assistente efetivo da Clínica de Endocrinologia e Metabologia da Santa Casa de BH. Ele também coordena o Serviço de Endocrinologia da Rede Mater Dei de Saúde e é o fundador da empresa de tecnologia e educação em saúde MediGo.

Nesta entrevista, o especialista fala sobre prevenção e diagnóstico precoce das doenças endócrinas, explica a relação da obesidade e do diabetes com doenças cardiovasculares e câncer e destaca a importância de bons hábitos alimentares ainda na infância para garantir saúde e bem-estar na vida adulta.

Quais são as doenças endócrinas mais comuns?

As doenças endócrinas e metabólicas mais comuns o diabetes mellitus, a obesidade, os distúrbios do colesterol e dos triglicérides, as doenças da glândula tireoide como hipotireoidismo, hipertireoidismo e os nódulos tireoidianos, a osteoporose, a síndrome dos ovários policísticos. Destaco que a especialidade de endocrinologia e metabologia lida com doenças muito comuns, como algumas das citadas acima e com doenças mais raras, muitas vezes de origem genética e que atingem pessoas de todas as idades.

E como prevenir essas doenças?

Nós sempre devemos pensar em pelo menos dois níveis de prevenção. Primeiro devemos pensar na prevenção de doenças evitáveis através de bons hábitos de vida. Ter uma alimentação saudável, com baixo consumo de alimentos ultraprocessados e priorizar o consumo de alimentos in natura e de preparo caseiro. A prática regular de atividade física também é fundamental. Bastam 150 minutos por semana distribuídos em pelo menos três vezes para que possamos reduzir o risco de obesidade e diabetes. Recentemente, temos dado maior importância para o controle do estresse e para o sono de boa qualidade. Outra forma de prevenção é através do diagnóstico precoce das doenças. Isso vai permitir um tratamento adequado e a prevenção das complicações associadas ao avanço dessas condições. O acompanhamento médico regular é fundamental para todos os níveis de prevenção.

Como as doenças endócrinas estão relacionadas a doenças cardiovasculares?

Hoje sabemos que existe uma forte relação entre a obesidade ou a adiposidade patológica (como a doença hepática gordurosa metabólica), as alterações do colesterol e triglicérides, o diabetes mellitus, a hipertensão arterial e as doenças cardiovasculares e renais. A base fisiopatológica destas condições está interligada e deve ser tratada em conjunto para a prevenção de infarto do miocárdio, AVC, doença renal crônica e morte. Importante sabermos que quanto antes atuarmos, melhor serão os resultados em termos de prevenção, qualidade de vida e longevidade.

Obesidade é fator de risco para o câncer?

Pessoas que vivem com obesidade enfrentam risco aumentado de desenvolver diversos tipos de câncer. Essa preocupante relação é confirmada por inúmeros estudos que acompanharam a saúde de grandes grupos populacionais. O motivo está nas mudanças que o excesso de gordura corporal provoca em nosso organismo. A gordura não é apenas um depósito de energia, ela também produz hormônios e outras substâncias que podem interferir no crescimento e na multiplicação das células, abrindo caminho para o desenvolvimento do câncer.

O tratamento contra a obesidade reduz a ocorrência de câncer?

Estudos de acompanhamento de longo prazo em pessoas com obesidade e perdas significativas de peso, incluindo em pacientes submetidos a cirurgia bariátrica, demonstram uma redução da incidência de alguns tipos de câncer. Por outro lado, pessoas que vivem com obesidade que são diagnosticadas com câncer têm maior risco de desenvolver uma nova neoplasia. Pesquisas indicam que a obesidade pode piorar vários aspectos da sobrevida ao câncer, incluindo qualidade de vida, recorrência do câncer, progressão do câncer, prognóstico (sobrevida) e risco de certos segundos cânceres primários.

Além do excesso de comida, o que causa obesidade?

A obesidade é uma doença complexa que vai além do simples excesso de comida. Na verdade, é um desequilíbrio no balanço energético do corpo, em que a ingestão de calorias supera o gasto energético, levando ao acúmulo de gordura. Suas causas são múltiplas e interligadas, abrangendo fatores genéticos, ambientais, comportamentais e até mesmo a influência da microbiota intestinal.

É fundamental entender que a obesidade é uma condição multifatorial e que o tratamento e a prevenção devem abordar todos esses aspectos de forma integrada, incluindo mudanças no estilo de vida, acompanhamento médico e, em alguns casos, intervenções medicamentosas ou cirúrgicas.

É possível prevenir o diabetes e a obesidade em adultos, a partir de cuidados na infância?

A prevenção do diabetes e da obesidade na vida adulta inicia na infância, com a promoção de hábitos saudáveis desde os primeiros anos de vida. O aleitamento materno exclusivo até os seis meses, associado à introdução oportuna e adequada da alimentação complementar nos meses seguintes, desempenha um papel crucial na prevenção da obesidade. A educação alimentar desde cedo, com foco na escolha de alimentos in natura ou minimamente processados, é fundamental para a prevenção dessas doenças crônicas. Outro aspecto importante é o estímulo à atividade física. Atenção deve ser dada para evitar o uso excessivo de telas.