Paulo Navarro | Entrevista com Pablo Lobato


Entrevista com Pablo Lobato. Foto: Marcos Eduardo

Bons Despachos

Pablo Lobato é artista, pai e íntimo da formação humana e do cuidado. Formado em Artes, Cinema e Fotografia, foi bolsista da Fundação Guggenheim e um dos criadores da “Teia - Centro de Pesquisa e Produção Audiovisual”, em Belo Horizonte. Seus filmes foram exibidos em festivais internacionais, como Locarno, Sundance, Rotterdam e Mar del Plata. Entre os prêmios recebidos, destaca-se o de melhor documentário para “Acidente”, seu primeiro longa-metragem, agraciado pelo festival mexicano de Guadalajara.

Já expôs no Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP; Museu de Arte Moderna de Nova York - MoMA; Museo Tamayo, Cidade do México; Akademie der Künste, em Berlim e no New Museum, Nova York. Além disso, participou de bienais em países como Uruguai, Argentina, Índia, Portugal e Emirados Árabes Unidos. Bom, como vocês poderão ler a seguir, em histórias, Pablo Lobato só perde para Monteiro Lobato. Por enquanto!

Pablo, apresente-se às leitoras e leitores de O TEMPO.

Sou filho de educadores criadores. O Rio São Francisco, as ruas de Bom Despacho, o quintal da minha casa e os sítios dos meus avós tiveram grande influência na minha formação. Na década de 90, comecei a me apresentar como artista e, desde então, meu trabalho vem escapando de um único meio ou linguagem. As artes plásticas e o cinema concentram boa parte do que realizei. Nos últimos anos, passei a criar um trabalho de maior fôlego com o interior de Minas, utilizando a escala comunitária como referência. Ligadas a Belo Horizonte por um curto trecho de estrada de trem, as cidades de Barão de Cocais e Santa Bárbara foram escolhidas como território para a primeira “Escultura Comunitária”.

Então, para recomeço de conversa, o que é uma “escultura comunitária”?

Uma obra de longa duração capaz de tecer uma escuta ativa às singularidades locais. Cuidar, cultivar e compartilhar são condições para se esculpir comunitariamente. Nesta primeira, a formação humana é primordial. O cinema é seu meio de encanto para mobilizar aprendizagens e compartilhar saberes. A arte do cuidar é seu propósito. Na agricultura, os gestos humanos e a fertilidade da terra se pedem e se dão mutuamente. O manejo dos ciclos vivos é também uma modalidade escultórica: lavrar, semear, plantar e colher.

Pode ser mais específico?

As interações coletivas da escultura comunitária podem acontecer à sombra de uma árvore, à luz da lua em bancos de praça, à iluminação fria do auditório, à borda da fogueira enquanto se relata um sonho, ou à projeção luminosa em uma sala de cinema. “Bárbara de Cocais” foi idealizada para vir ao mundo em 2024. Ela se confunde com o que pode se tornar. Evocá-la já é o começo da escultura, território de encontros, obra de uma comunidade cuidadora. Ela trama gestos que, num alinhavo cuidador, se aproximam com curiosidade da primeira infância. A vida, em sua qualidade regenerante, é o primeiro e último material desta escultura.

Por que Barão de Cocais e Santa Bárbara?

Ligadas a Belo Horizonte por um curto trecho de estrada de trem, foram escolhidas como território a ser fertilizado pela primeira “Escultura Comunitária”. Foram terras do Morro Grande, território cuja ossatura foi cortada pela mineração. Ali, as marcas da extração e a comunidade de seres viventes se entrelaçam e desafiam o esquecimento a reimaginar o desenho da paisagem. Plantar nos sulcos do extrativismo é um modo de afirmar e dar forma ao presente que avança, ao futuro que se arruma pela mão coletiva. “Bárbara de Cocais” é esculpida nas rupturas. Seu cultivo se revela na vida compartilhada, é uma resistência fértil para além do solo.

O que é “Bárbara de Cocais”?

Subtraída da Santa e do Barão, “Bárbara de Cocais” foi o nome escolhido para esta primeira escultura comunitária. Cruza de saberes, transforma o desamparo individual em bordas cooperativas. Sua escultura dispõe sobre uma mesa comum o compromisso ético da partilha: plantio, eclosão e abundância. Iniciado em 2022, além de promover um festival com palestras, oficinas e uma creche pública, o projeto envolve pesquisas, visitas, conversas e uma mostra itinerante de cinema, gerando encontros entre sensibilidades.

É o “Festival Bárbara de Cocais”?

Sim, a cada ciclo da escultura, as atividades do projeto culminam no “Festival Bárbara de Cocais - Cinema e Formação Humana”. Nesta edição de estreia, a programação se concentra entre 21 e 24 de agosto, nos arredores da praça Monsenhor Gerardo Magela, em Barão de Cocais e Santa Bárbara. A proposta é que o festival seja realizado anualmente, alternando sua sede entre as duas cidades.

Como se cria, temporariamente, uma sala de cinema?

Como a maioria das cidades do Brasil, Barão de Cocais não tem uma sala de cinema. Desde o início, estávamos decididos a proporcionar uma bela experiência imersiva, com o máximo de qualidade possível. Para isso, estamos transformando o Salão Paroquial da Matriz de São João Batista em uma sala de cinema. As paredes serão cobertas por tecidos, cadeiras confortáveis estarão disponíveis, excelentes equipamentos de projeção de imagem e som serão instalados, além de garantirmos segurança e acessibilidade ao público.

Que filmes você selecionou para a programação?

Alguns filmes já estão sendo exibidos na “Mostra Itinerante”, antes do festival, percorrendo distritos, subdistritos e bairros periféricos das cidades. A curadoria, realizada por mim e por Gustavo Jardim, será divulgada em breve. Passamos os últimos seis meses assistindo a filmes e estamos bastante animados. Teremos curtas, médias e longa-metragens brasileiros e internacionais. Entre os trabalhos, “Aguyjevete Avaxi`I” (2023), de Kerexu Martim, “Dos 3 aos 3” (2023), realizado por mim e por Bianca Bethonico, “Últimas conversas” (2014), de Eduardo Coutinho, “Terra deu, terra come” (2010), de Rodrigo Siqueira.

E os internacionais?

O japonês “Meu amigo Totoro” (1998), de Hayao Miyazaki e o francês “Tomboy” (2011), de Celine Sciamma. No encerramento, a pré-estreia do meu longa-metragem, “Oroboro” (2024), um dos motivos que me levaram a criar a Escultura Comunitária #01. “Oroboro” é um documentário que acompanha as descobertas, dores e alegrias vividas por duas turmas de estudantes ao adaptarem para o teatro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa e “A Flauta Mágica”, de Mozart.

E as palestras e oficinas?

A programação de palestras inclui importantes nomes do pensamento brasileiro, como a professora e pesquisadora, Virgínia Kastrup; a poeta, ensaísta, dramaturga e professora Leda Maria Martins e a filósofa e psicanalista, Viviane Mosé. Na grade de oficinas, o cineasta, curador e educador Gustavo Jardim ministra a atividade, “Cinema ao redor”, enquanto a artista, escritora e professora, Julia Panadés, conduz “Desenho-Palavra em Movimento”. O artista plástico e pesquisador Gandhy Piorski propõe a oficina, “A criança, os cinco sentidos e o brincar”. Complementando, duas Oficinas de Agroecologia, conduzidas por Augusta Nascimento e Diogo Lyra, tendo como metodologia a educação popular.

E a Creche Parental Pública?

Sob a condução da artista convidada, Graziela Kunsch, será instalada na área externa do Santuário de São João Batista, inspirando-se na abordagem pedagógica desenvolvida pela pediatra húngara, Emmi Pikler (1902-1984). O espaço tem áreas de cuidado, onde adultos cuidam de bebês, além de poltronas para dar colo, amamentar ou dar mamadeira e uma grande área para brincar, onde bebês são capazes de cuidar de si mesmos.