Paulo Navarro | Entrevista com Mário Melillo


Entrevista com o analista e consultor em comércio exterior Mário Melillo. Foto: Arquivo Pessoal

Tipo Exportação

Mário Melillo, analista e consultor em comércio exterior, orgulhoso filho de Itabirito, é um homem de ferro e do ferro. Ou aço!  Por competência, hoje, está longe das “guias de importação e exportação em pautas carbonadas que eram levadas à CACEX, um departamento do Banco do Brasil especialista em crueldades com os estagiários de comércio exterior”. Pelo contrário. Com sua empresa de consultoria, ajuda importadores, exportadores e outras atividades empresariais no que tange ao mercado internacional, atendendo clientes de todos os setores. Fala inglês, espanhol e, para nós, mortais, domina até o “grego da Faria Lima”: “holdings”, “tradings”, “wealth management”, “lump”, “hematitinha”, “sinter feed”, “pellet feed”, proteção e mitigação, volatilidade cambial. Felizmente, para bom entendedor, meia tonelada basta. E assim, aprendemos muito sobre o mercado de minério e comércio exterior. Mário, que sabe tudo, só cometeu um deslize com gosto de delírio: “Vamos dizer que na sua profissão de jornalista tenha conseguido acumular cerca de 50 milhões de reais ou 10 milhões de dólares”. Caro Mário, impossível aproximar a palavra “jornalista” da palavra “milhões”. A não ser que você seja um William Bonner.

Mário, consegue resumir seu longo currículo, com ênfase no Comércio Exterior?

Eu iniciei no comércio exterior, ainda na faculdade, como estagiário da FIEMG e outras empresas. Graduado, atuei em empresas exportadoras e em desembaraço aduaneiro. Ali, vi a necessidade de falar inglês. Fui para Inglaterra e EUA por dois anos. Ao voltar, me encaixei como uma luva no setor de mineração e siderurgia, em Minas Gerais, trabalhei na Itaminas.

E o capítulo CSN?

Alguns anos depois fui contratado pela CSN, para o iniciante setor de exportação de minério de ferro da empresa. Um ano depois fui enviado pela CSN para a Ilha da Madeira, Portugal, para alavancar os negócios dentro do conceito do planejamento tributário internacional. Uma vez instaladas as empresas em Funchal, fui designado para Madri, Espanha, operando nas empresas “holdings”, detentoras das empresas “tradings” que estabelecemos em Portugal. Nessa missão, fui nomeado representante de cerca de 20 empresas do grupo CSN na Europa e na Ásia.

Saudade de Madri ou saudade do velho Brasil de sempre?

Muita saudade de Madri sim! E, quando estou lá, muita saudade do Brasil. Mas depois de 10 anos vivendo, trabalhando e estudando em Madri e com dois filhos nascidos lá, considero minha cidade preferida.

Exportar ainda é o que importa?

Pois é. Exportar ainda é importante para o Brasil porque não temos, no balanço de transações correntes, um fluxo positivo e constante. Temos uma balança comercial superavitária, o que é diferente. Se tivéssemos, por exemplo, uma indústria de tecnologia muito forte com patentes respeitadas e pagas ao redor do mundo, como a Suíça, por exemplo, poderíamos até restringir exportações para abastecer com melhores preços o mercado interno.  Infelizmente, ainda não, apesar de termos superávits enormes na balança comercial. Em 2023 tivemos quase 100 bilhões de dólares de superávit comercial, mas 33 bilhões de déficit em transações correntes. Exportar ainda é o que importa. Mas o assunto é longo...

Agora umas perguntas mais técnicas, com nomes complicados. O que vem a ser “wealth management”? É legal?

“Wealth management” é coisa de "farialimers" (Risos). Uma gestão para pessoas físicas e famílias visando proteção do capital, do dinheiro. Gestão da riqueza! No Brasil, apesar de termos reservas cambiais enormes, hoje da ordem de 350 bilhões de dólares, ainda existe risco na volatilidade da moeda. Ou seja, a nossa moeda ainda é sujeita a variações bruscas. Vamos dizer que na sua profissão de jornalista tenha conseguido acumular cerca de 50 milhões de reais ou 10 milhões de dólares e colocou o recurso no tesouro direto, que é uma forma mais segura de investimento e muito bem remunerado. Digamos que, de repente, por razões internas ou externas o Real sofra uma desvalorização de 20% frente ao dólar. Seu capital em real continua de 50 milhões, mas em dólares você perdeu 20% de seu patrimônio. Então, essa gestão da riqueza que fazemos é mitigar, ou seja, diminuir esse risco de perda do patrimônio. É legal e é legal!

E proteção e mitigação? E diminuição de riscos no Comércio Exterior? E volatilidade cambial?

No comércio exterior também há riscos que podem ser diminuídos. Trabalho com alguns clientes que fazem compras com pagamento antecipado e o fazem, não em confiança cega, mas com alguns mecanismos que permitem confiar em certo fornecedor ou comprador sem usar as linhas de crédito tradicionais. A assessoria que nossa empresa, GlobalSoul  https://mariomelillo1.wixsite.com/website wa business, presta  no  comércio exterior implica, sobretudo, em análise de riscos!  Tanto na falha na entrega por qualidade ou o não embarque da mercadoria (na importação) ou inadimplência no pagamento de produtos exportados (na exportação). Também analisamos riscos cambiais e riscos tributários. Nossa assessoria é de ponta a ponta do negócio.

‌Os mineiros, com seu minério, têm razão de invejar os royalties do petróleo que Rio e São Paulo recebem?

‌Essa questão dos royalties do petróleo para estados e municípios "produtores" (entre parênteses mesmo), cá pra nós, não deveria existir. Afinal, as águas territoriais do Brasil pertencem à União, não aos estados e municípios. Se o petróleo fosse extraído no continente, faria todo o sentido. Mas passou e é isso o que temos. Por outro lado, pouco depois da época em que isso foi definido, a CFEM, que é o royalty sobre a extração dos minérios passou de 2% a 4% (no caso do minério de ferro). Me lembro que o então governador Anastasia, sabiamente, defendeu isso e conseguiu. Acho que teve aí uma espécie de prêmio de consolação, uma acomodação política pelo erro na divisão dos royalties do petróleo. Isso foi ótimo para os municípios mineradores. Aí nós mineiros, não ficamos com tanta inveja. Só das praias mesmo...

Minas tem minério para exportar durante quanto tempo?

Bem, eu trabalho há mais de 20 anos no setor de mineração e isso sempre foi uma questão polêmica. No caso do minério de ferro, vou fazer uma separação por produtos. O que ocorre hoje, (restrito ao quadrilátero ferrífero de MG) é uma escassez de produtos que antes eram fartos. O “lump”, o granulado, a hematitinha (grossos) estão cada vez mais escassos. Isso afeta o setor guseiro. As minerações hoje se apoiam em maior parte na produção de “sinter feed” e “pellet feed” (finos). Hoje há uma recuperação de rejeitos de barragens que antes não eram aproveitados. Em geral, apesar disso, mercadorias em escassez, sempre terão um balizamento, oferta X Demanda, muito adequado. Creio.  

Já existem substitutos?

A indústria de reciclagem e a criação de novas ligas metálicas, associadas à questão ambiental acabarão diminuindo a produção de minério de ferro, a exemplo do que passa na indústria do alumínio. Mas o resultado mais nobre do minério de ferro é o aço. Aliás, até hoje, o melhor indicador de bem-estar de uma população é o consumo aparente de aço em quilos por habitante e vai continuar sendo por muito tempo, assim a exploração de minério continuará, mas não será crescente. Muitas de nossas reservas de minério de ferro permanecerão intocadas para sempre.

Elas existem?

Serra do Gandarela, Serra do Curral, Serra da Piedade, Morro do Chapéu (só para citar áreas mais conhecidas) são áreas com grandes concentrações de minério de ferro de alto teor, mas que não serão trabalhadas. Também há que se considerar a demora na liberação de licenças ambientais pelos órgãos do governo. Isso deixa a mineração de médio e pequeno porte muito fragilizada. As grandes sempre se salvam. Além disso, esses mineradores sofrem com a falta de logística, terminais, etc.

E depois? 

Não podemos deixar para depois. Minas deve dar lugar a outras vocações, agregar valor às outras indústrias e desenvolver novas tecnologias.  Isso, sem esquecer do apoio ao que temos atualmente. Sobretudo, aos pequenos e médios do setor de metais.  Além, é claro, de desenvolver, sem preconceitos, a nossa grande vocação que é a indústria criativa, que impulsiona o turismo, a gastronomia e correlatos.

Como vê a condução atual do nosso Comércio Exterior?

Uma coisa é administração do comércio exterior que melhorou muito, não tanto na burocracia, mas na velocidade da resposta que se dá à essa burocracia. Outra coisa, a estratégia comercial do país.

Eu comecei no comércio exterior antes da criação do SISCOMEX, portanto, datilografei (poucos hoje podem usar esse verbo na primeira pessoa) guias de importação e exportação em pautas carbonadas que eram levadas à CACEX, um departamento do Banco do Brasil especialista em crueldades com os estagiários de comércio exterior. (Risos).

Felizmente essa área evoluiu...

Hoje, toda a tecnologia disponível nos portais do governo nos permite, não só agilidade, mas também estudos de riscos e de mercado. Por outro lado, na questão da estratégia comercial do país, acho que melhoramos, mas estamos longe do ideal.

O que falta?

Como eu disse lá no princípio, ainda somos exportadores na maior parte da pauta, de commodities (comodismo, permita-me o trocadilho infame). A simples exportação de commodities não agrega valor à economia.   O país deveria ter mais indústrias de aço e também agroindústrias com desenvolvimento de alta tecnologia.

E não temos ou temos de menos?

Temos a Embraer, por exemplo, nossa vanguarda tecnológica, mas o conteúdo nacional de peças e sistemas não deve passar de 50%.   Temos que desenvolver mais tecnologia nacional e consumir mais aço.   Há 40 anos o consumo aparente de aço na China era de 65 kg por habitante e hoje chegou a mais de 645 kg. Dez vezes mais!

E no Brasil?

No Brasil, nesses mesmos 40 anos, o consumo aparente de aço era de 103kg e continua por volta de 105 kg por habitante. Mas nós quadruplicamos nossa exportação de minério de ferro e não aumentamos em nada a produção e o consumo nacional de aço. Há vinte anos estamos estagnados na produção de aço com cerca de 32 milhões de toneladas por ano. Tem que ter política industrial na veia!

2024 será positivo para o setor?

Tudo indica que sim.  A tendência é que tenhamos um ano excelente para importadores e exportadores. Há inclusive, segundo alguns analistas do mercado financeiro, uma possibilidade até de forte valorização do real frente ao dólar, dado o grande volume de comércio e superávit na balança comercial.  Não que isso vá reduzir demais os ganhos dos exportadores, mas vai ajudar importadores de bens de capital e transferência de tecnologia.  O importante é que o volume de negócios cresça e essa é a tendência.

Quais são nossos melhores parceiros e que países deveríamos procurar?

Acho que antes de perguntar qual nosso melhor parceiro seria bom perguntar quem somos, o que podemos oferecer e o que necessitamos.

Quem somos, o que podemos oferecer e o que necessitamos?

Se nós somos majoritariamente exportadores de commodities e temos déficit (ou estamos empatando) no balanço de transações correntes, temos que agregar mais valor às nossas trocas internacionais. Assim, os melhores parceiros são aqueles que nos permitam avançar nas parcerias tecnológicas.

Por exemplo...

Pensemos que a China, nosso maior parceiro na atualidade, por razões de escoamento da sua importação de grãos e minérios do cone sul, decida investir em uma ferrovia ligando o Atlântico ao Pacífico, atendendo a países como Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile. Não há nada de errado se a construção vai trazer inovação tecnológica e que essas inovações sejam desenvolvidas por empresas da região que, posteriormente, vão vender novas tecnologias para o mundo. O Brasil precisa de grandes obras com alta tecnologia. A melhor parceria será aquela que nos permita avançar em tecnologia que vai refletir no bem-estar da população em geral.