Paulo Navarro | Entrevista com Evanilde Almeida Pires
Entrevista com a terapeuta Evanilde Almeida Pires. Foto: Lauhana Lopes
Síndrome de Vida
Começando a trabalhar aos 17 anos como vendedora, ninguém, nem a própria Evanilde Almeida Pires poderia imaginar o que ela estaria fazendo, do “outro lado do balcão”, em 2025. Nem mesmo a virada profissional entre 2022 e 2023, que a levou, pasmem, da Gestão Fiscal e Tributária à Terapia de Reprocessamento Generativo (TRG) e Leitura Corporal e Comportamental. Nada a ver no trabalho, tudo a ver com Evanilde e sua vocação, o “carinho” para com os acolhidos em tratamento da dependência química.
Mesmo sem ter números, Evanilde reconhece a urgência dessa, digamos, “epidemia” que pode acontecer e destruir as “melhores famílias”. Que os ambientalistas não a persigam pela analogia: “se podarmos os galhos de uma árvore, eles crescerão novamente, mas se arrancarmos a raiz, a árvore não crescerá mais”. Para isso, o TGR, mas não só, “o poder público deveria implementar mais políticas voltadas para a reestruturação familiar”.
Por fim, para viver bem, Evanilde receita cuidados com o corpo, a mente e o espírito. Para os que infelizmente estão/são doentes, ela lembra que nunca é tarde para mudar e que a Síndrome Gabriela, “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim”, só é bonita na novela. Ou no filme!
Evanilde, em poucas linhas, consegue resumir teu currículo profissional?
Comecei a faculdade de Administração em 2007 e me formei em 2011. Em 2013, finalizei minha Pós-graduação em Gestão Fiscal e Tributária. Trabalhei em empresas nos setores administrativos e financeiros até 2022. A virada profissional aconteceu entre 2022 e 2023, quando me especializei na Terapia de Reprocessamento Generativo (TRG) e na Leitura Corporal e Comportamental. Desde então, sou terapeuta integralmente.
Você também é terapeuta ou é voluntária no “Terapia para Todos”? O que é essa terapia?
Sim, sou terapeuta de resultados da TRG e criei o projeto social “Terapia para Todos”, onde aplico o protocolo da TRG e a psicoterapia de fala quando necessário. Esse projeto é realizado em uma comunidade terapêutica em Caná, onde atendo alguns membros da coordenação e acolhidos em tratamento da dependência química.
Um tratamento delicado e complicado.
Para passar pelo protocolo da TRG, a pessoa precisa querer. Atender e ajudar é minha forma de retribuir o que a casa faz por tantas famílias. A TRG é uma terapia breve, diferente das terapias convencionais, pois trata a causa raiz do problema, não apenas os sintomas.
Não apenas os “galhos quebrados”?
Fazendo uma analogia, se podarmos os galhos de uma árvore, eles crescerão novamente, mas se arrancarmos a raiz, a árvore não crescerá mais. A TRG não exige que a pessoa fale sobre seu trauma; muitas vezes, por vergonha ou medo de julgamento, as pessoas não conseguem expor suas dores. Com a TRG, a pessoa fala apenas se quiser. O método reestrutura o psiquismo humano, trazendo resultados visíveis já na primeira sessão.
Você tem números da dependência química em BH?
Infelizmente, não. Se fosse realizar uma pesquisa, os dados poderiam ser alarmantes, considerando a população atual, já que muitos não se identificam como dependentes.
Quais os principais tipos de dependência?
É importante entender que, entre os mamíferos, os humanos são os únicos que nascem totalmente dependentes dos outros para sobreviver. Essa dependência se registra em nosso inconsciente. Ao longo da vida, diante das emoções, muitos desenvolvem dependências prejudiciais, como a dependência emocional, comportamental e química, todas com a característica em comum da perda de controle.
Vício é fuga? Doença?
Sim, o vício é uma fuga. Muitas pessoas não sabem como lidar com suas emoções e, por isso, buscam soluções temporárias, como o uso de substâncias. Por exemplo, uma pessoa tímida pode recorrer à bebida para se desinibir, criando uma falsa realidade e alimentando um vício. Todo excesso esconde uma falta; nesse caso, a bebida suplanta a timidez. Frases que utilizo incluem: "Todo excesso prejudica, toda falta também prejudica; é preciso encontrar o equilíbrio." Também considero o vício uma doença, pois tudo que afeta o funcionamento normal do corpo e da mente é uma doença.
Falta uma política pública?
O poder público deveria implementar mais políticas voltadas para a reestruturação familiar, com projetos que capacitem homens e mulheres profissionalmente. Investir em esportes cria disciplina e em arte, como música e dança, estimula a expressão. Precisamos incluir educação financeira no ensino, pois o conhecimento gera cidadãos mais conscientes. Contudo, muitas representações políticas parecem não querer que a população adquira esse conhecimento, o que pode causar problemas futuros para eles. Existem políticas públicas em diversos setores, mas a divulgação é inadequada, limitando o acesso.
O que é o “Intercâmbio Terapêutico”?
Intercâmbio Terapêutico é um projeto que criei para trocar ideias e sanar dificuldades entre terapeutas, não apenas da TRG, mas de outras abordagens. Comecei esse projeto no final de 2024 com três terapeutas, realizando encontros presenciais e online para discutir desafios nas sessões, compartilhar experiências e montar palestras, visando aprimorar nossos atendimentos.
O que são “Resultados da TRG”?
Os resultados vêm da reestruturação que o reprocessamento causa no psiquismo da pessoa. Um exemplo é uma cliente que, sem me contar, percebeu uma mudança em seu comportamento. Antes, ela necessitava da aprovação de outros ao escolher roupas. Após trabalharmos questões da infância, ela conseguiu ver e deixar para trás esse trauma. Um dia, ao escolher um vestido que sua filha desaprovou, respondeu que havia gostado e que não trocaria. Essa mudança mostrou que ela agora tem sua própria opinião, resultando de um processo de reprocessamento. A TRG não é apenas autoconhecimento, mas acaba proporcionando isso.
O que você quer dizer com “quem tem dor tem pressa”?
Tenho muitos relatos de pessoas que fazem tratamento com psicólogos há anos e ainda sentem dores profundas. Uma frase impactante que ouvi foi: “é uma dor inexplicável, não é física, mas interna”. Não é questão de incompetência do profissional, mas da abordagem de fala, onde a pessoa precisa verbalizar seus traumas. Por isso, digo que quem tem dor tem pressa. Se alguém pisa em um espinho e não consegue tirar, ou pede ajuda ou aprende a conviver com a dor, criando desconforto. A TRG atua na causa raiz e proporciona alívio.
Do outro lado de quem tem dor, você precisa de muita paciência?
A paciência é fundamental para quem cuida da mente humana. No entanto, não posso exigir paciência de quem está com dor, pois isso provoca disfunções emocionais. Minha abordagem inicial é a psicoeducação, explicando os cinco protocolos da TRG, como funcionam e a importância de querer passar pelo processo. Meu compromisso é com carinho e profissionalismo, mas não posso fazer parte do processo da outra pessoa.
Quer deixar um recado final sobre “viver realmente”?
Viver realmente é entender que a vida é movimento. Devemos cuidar da tríade: corpo, mente e espírito. Cuidar do corpo envolve consultas médicas regulares, alimentação saudável e exercícios. Para cuidar da mente, é importante ler, assistir conteúdos construtivos, ter lazer e contato com a natureza. Cuidar do espírito diz respeito ao que nos conecta com algo maior. Encontrar o equilíbrio dessa tríade é fundamental para afirmar que estamos vivendo plenamente.
E para, digamos, os “mortos vivos”?
Para aqueles que vivem como “mortos vivos”, minha mensagem é que nunca é tarde para mudar. Não existe um tempo certo para isso; a mudança é atemporal e requer apenas vontade. Muitos vivem no modo automático, sem perceber o que acontece ao redor, como na síndrome da Gabriela: “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou assim”. Desde que nascemos até a morte, podemos mudar e evoluir. Lembrando que tudo que excede prejudica e tudo que falta também prejudica, e a TRG pode ajudar a entender essas dinâmicas.