Paulo Navarro | Entrevista com a atriz Gorete Milagres

Entrevista com Gorete Milagres. Fotos: Leandro Furia

À Espera de Milagres

Hoje, no palco desta página, a premiadíssima atriz e comediante, Gorete Milagres – que tem nome de santa, mas nada de milagre – mais conhecida e adorada por sua ilustre personagem, a “doméstica, nada megera, muito menos domada”, Filomena, Filó para os íntimos. Por que Filomena Filó? “Para humanizar e defender uma classe de mulheres trabalhadoras, tipicamente brasileiras: as empregadas domésticas; milhões delas que pelejam nesta profissão, sem carteira assinada e sem perspectiva de uma aposentadoria”. Com o seu bordão “Ó, coitado”, a empregada Filó segue divertindo gerações. Mais que nunca, depois da pandemia e 1001 mudanças de casas e cidades, com o espetáculo “Filomena 30 anos de peleja”, que estreou ontem. Mas tem mais: amanhã, às 20h, no Sesc Palladium e no dia 3 de fevereiro, às 20h, no Teatro Sesiminas. A montagem está na programação da 49ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança com ingressos a “preço, não de filé, mas de Filó”. Esperamos que esta peleja ensine a enxergar o próximo com olhos mais solidários, como deseja Gorete; que acorde os homens e adormeça as crianças, como queria Drummond.

Gorete, de volta às origens, BH?

Sim, sempre! Jamais esquecerei as minhas origens, foi em Minas e em BH que tudo começou! Então mais do que justo, começar as comemorações dos 30 anos da personagem por aqui.

E comemorando, como o filme de Louis Malle, “Trinta Anos Esta Noite”?

A minha bela jornada de 30 anos com a Filó, nada tem a ver com o filme de Louis Malle, eu não pretendo matar a Filó no dia do aniversário de 30 anos dela. Ela viverá enquanto eu existir! Quando eu morrer a minha obra fica!

Quem é Filomena Filó e quem é Gorete, com estes nomes tão mineiros?

Gorete é o nome de uma santa italiana. Eu não sou santa e Filó era o nome de uma ex-patroa da mãe da Filó e Mena era o nome de uma bezerra que a mãe da Filó criou como filha. É o nome de “homenagem”! Eu e ela somos tipicamente mulheres mineiras. A Gorete é um inverso da Filó!

O sobrenome Milagres ajudou, como uma profecia?

Milagres é o sobrenome da minha mãe. O meu pai não colocou Milagres em nenhum dos 14 filhos que ele registrou em cartório, por puro machismo! Então quando eu estreei no palco do Grande Teatro do Palácio das Artes, no espetáculo Il Festino, em 1991, com o personagem Arlechino, decidi que o nome Milagres estaria no libreto da opereta. Minha mãe se emocionou. Quebrei um ciclo, coloquei o nome da minha mãe nas minhas duas filhas. Nada de profecia. 

Por que peleja? Não foi tão difícil assim o sucesso. Ou foi?

A Filomena é uma personagem criada por mim. Eu humanizei a personagem representante de uma classe de mulheres trabalhadoras, tipicamente brasileira: as empregadas domésticas. Então, são 30 anos da Peleja da personagem, que igualmente a milhões de brasileiras que pelejam nesta profissão, sem carteira assinada e sem perspectiva de uma aposentadoria. Isto é uma Peleja! O sucesso, foi consequência da empatia do público, com o resultado do meu trabalho! Difícil foi ser mulher, comediante, mineira, num ambiente machista! Onde somente homens tinham o monopólio do humor. Sou uma vencedora! Tive motivos para ser predestinada ao fim, como o protagonista do filme de Louis Malle, mas enfrentei e venci todas as guerras, como outra personagem francesa, Joana D’Arc. Mas não serei canonizada! Rs.

É verdade que ficou hibernando cinco anos por causa da pandemia?

Hahaha! Nem tudo que falam sobre mim é verdade. E eu sou lá mulher de ficar hibernando cinco anos? A pandemia nem completou quatro anos! Durante a pandemia me isolei o tempo necessário para a minha sobrevivência. Fiz vídeos para as redes sociais e durante o isolamento social e de março de 2021 a março de 2022 eu fiz seis mudanças de casas (de um apartamento para uma casa, da casa de SP pra BH, de BH para Jericoacoara … em um ano e meio eu construí três casas, em dois anos implantei o meu empreendimento @casadasmilagresjeri. Em 2022 eu morei em Jeri e fazia um programa na Band em SP, a cada semana me dividia entre Jeri e SP. Eu fui a minha CEO, sem férias e, agora, antes de completar quatro anos da pandemia, me mudei de volta pra BH no dia 6 e já estreei um espetáculo ontem. Isto é hibernar? Eu não sou urso! Rs. 

Filó é mineira, brasileira ou universal?

Filó é mineira, brasileira e universal. Ela é uma caipira. Em qualquer lugar do mundo tem seres como a Filomena. Pessoas simples na sua razão de existir.

Qual a diferença entre a doméstica de Gorete e a do Eduardo Dussek?

A única coisa em comum entre Filó e a doméstica do Eduardo Dussek é o: “ sem carteira assinada”.

Você tem uma doméstica, uma diarista ou uma auxiliar?

Foi através das domésticas da fazenda dos meus avós e pais, das domésticas que fizeram parte da minha vida que eu me inspirei para construir a Filó. Na minha casa sempre teve domésticas, minha mãe teve 14 filhos. Foi com a minha família que aprendi a respeitar, a valorizar o serviço doméstico, carteira assinada, 13º e horas extras já eram regra na minha casa antes da PEC das domésticas. Em Jeri eu tenho duas mulheres incríveis que fazem parte da minha equipe, nunca as nomeei como domésticas. Em BH eu tenho uma diarista uma vez por semana. Sou amiga de todas minhas ex-funcionárias, criei elo eterno, e fui babá de três crianças filhas de ex-funcionárias que, depois da licença maternidade, levaram para minha casa, cumprindo o ciclo da amamentação. 

Você não teme ser a atriz de uma personagem só?

Eu sou comediante. Os comediantes têm capacidade de fazer dramas e comédias. Eu não sou uma atriz de uma personagem só, eu tenho 33 anos de carreira, fiz outros personagens em novelas, séries e filmes e sou reconhecida nas ruas e premiada pelos outros personagens que fiz. Mas nunca temi em ser reconhecida somente pelo trabalho com a Filó, pois a minha escola é “commedia dell'arte italiana”, onde o mesmo ator interpreta o Arlecchino durante 50 anos. E é preciso ter vocação para assim ser. Isto é mérito!

“Ó Coitado” para 2023. E para 2024?

Não entendi a pergunta, mas vou interpretar assim: 2023 foi um ano de “Ó coitado” para as guerras, para o povo palestino, para os ucranianos, para todos mortos na guerra, para os acidentes climáticos no Brasil e no mundo, para o genocídio indígena, descoberto em 2023, para a violência nos grandes centros, os famintos e flagelados em situação de rua… Eu ficaria escrevendo aqui até amanhã. 2024? Estou começando muito bem obrigada, no meu lugar no mundo: o palco. Desejo que o ser humano deixe de ser a pior das espécies, que cuide mais do meio ambiente e do planeta Terra. Que enxergue o próximo como os olhos do Padre Júlio Lancellotti. Que o mundo fosse menos desigual.