Paulo Navarro | segunda, 20 de novembro de 2023
Entrevista com o musicista Matheus Henrique Ferreira de Souza. Foto: arquivo pessoal
Concerto para Matheus e Orquestra
A entrevista a seguir, com o jovem músico Matheus Henrique Ferreira de Souza, ficou grande. Falha nossa. Esquecemos de avisá-lo que, infelizmente, o brasileiro, em geral, continua péssimo e preguiçoso leitor. É a geração Instagram e WhatsApp que escreve errado e abrevia tudo. Tudo em nome da Lei do Menor Esforço. Matheus é o contrário. Ele tem apenas 24 anos e já foi mais longe que muito astronauta. Sonhos podem não envelhecer, mas fogem rápido, de foguete. Poucos conseguem alcançá-los. Mas Matheus é persistente, trabalhou muito. Tem pai e mãe maravilhosos que não pouparam sacrifícios para seu sucesso, de Uberlândia até os Estados Unidos, a um pulo do mundo. Ele acaba de ganhar mais um prêmio internacional, também nos Estados Unidos onde estuda e vive. Digamos que sejam os primeiros de uma série. Matheus é exemplo para jovens e até mesmo para quem acha que perdeu o bonde ou o foguete. Também é dono de outras nobres qualidades: memória e gratidão, inclusive pelo Cefart, da Fundação Clóvis Salgado, no Palácio das Artes, de onde decolou. Obrigado Matheus pela prontidão e pelo tempo de responder estas perguntas que gerou mais uma: onde vai parar este rapaz? Pelo jeito com a primeira orquestra que tocar em Marte. Divirtam-se e, principalmente, mirem-se no exemplo deste “menino” que, de baixo, só tem seu contrabaixo acústico.
Matheus, comecemos pelo fato mais recente. Parabéns pelo primeiro lugar na Michael Cameron Competition II. O que é? Onde foi? O que é a Michael Cameron?
Muito obrigado. A Michael Cameron Competition II foi criada pelo Dr. Marcos Machado, homenageando seu antigo professor Michael Cameron, falecido em julho de 2022. Cameron era um talentoso contrabaixista, educador e escritor que contribuiu significativamente para a comunidade musical. Ele foi o baixista principal da Sinfonia da Câmara e da Champaign-Urbana Symphony Orchestra, além de tocar em vários conjuntos e apresentar diversas estreias para o contrabaixo. Ele começou a lecionar em 1982 e, posteriormente, ingressou no corpo docente da School of Music da University of Illinois em Urbana-Champaign. A competição ocorreu no campus da University of Southern Mississippi, em Gulfport, uma cidade costeira.
Como foi, quando foi, com quantos competiu?
Dia 15 de outubro. Pela manhã, tivemos o privilégio de receber master classes do lendário e renomado contrabaixista Thomas Martin. Depois do almoço, nos dirigimos ao auditório, para as performances. Cinco baixistas participaram, com premiação para os três primeiros colocados. Pedro Areco, do Brasil, e José Cuellar, da Espanha, empataram em segundo lugar, enquanto eu tive a honra de conquistar o primeiro lugar. Foi um dia emocionante e inspirador para todos os presentes.
No teu Instagram, você elogia Thomas Martins e Marcos Machado. Quem são? Mestres? Professores?
Thomas Martins é uma lenda no mundo do contrabaixo, tendo atuado como o principal contrabaixista na Orquestra do Teatro Liceo de Barcelona, na Orquestra de Filadélfia, na Orchestre Symphonique de Montreal, na Academy of St Martin-in-the-Fields, na English Chamber Orchestra, na City of Birmingham Symphony Orchestra, na London Symphony Orchestra e na Oxford Philomusica. Ter a oportunidade de conhecê-lo e aprender com ele foi incrível.
E Machado?
É meu professor atual e meu maior ídolo no mundo do contrabaixo. Eu nunca vi um contrabaixista tão impressionante, com um nível de virtuosidade tão alto e conhecimento tão amplo, não apenas sobre contrabaixo, mas em outros instrumentos. Ele é quase uma biblioteca em pessoa. Quando se trata dos professores que já tive, gosto de destacar Camilo Christófaro, que atualmente leciona no Cefart.
Boa lembrança, mas o que é Cefart, para quem não conhece?
É o Centro de Formação Artística e Tecnológica, da Fundação Clóvis Salgado, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, responsável por promover a formação em diversas linguagens no campo da arte e em tecnologia do espetáculo.
Mas você falava de Christófaro...
Camilo Christófaro desempenhou um papel fundamental na minha jornada e me ensinou a lição mais valiosa: a importância da disciplina, que me permitiu alcançar todas as metas que tracei. Também tive a oportunidade de estudar por um curto período no Rio de Janeiro com o professor Antônio Arzolla, que infelizmente veio a falecer durante a pandemia de Covid-19.
Quantos anos você tem, qual teu instrumento?
Tenho 24 anos e o meu principal instrumento é o contrabaixo acústico embora tenha iniciado com o baixo elétrico.
Você é mineiro e mora nos Estados Unidos? Há quanto tempo?
Sim, nasci em Uberlândia, mas me mudei muito jovem para Caeté e moro nos Estados Unidos desde agosto de 2021. Antes de iniciar minha graduação, precisei cursar dois semestres de inglês para obter a pontuação necessária no teste de proficiência e atualmente, estou no meu terceiro semestre do bacharelado.
Onde aprendeu música? Como começou?
Comecei a me interessar por música por volta dos meus 13 anos. Antes disso, eu até tinha contato com o violão, mas era um instrumento que não me despertava interesse. Contudo, costumava visitar a casa do meu primo, onde ele sempre mantinha um contrabaixo elétrico em seu quarto.
Paixão à primeira vista?
Eu passava a maior parte do tempo tentando tocá-lo, pois adorava o som grave e amava o formato do instrumento. Meu primo percebeu o interesse e me ofereceu aulas gratuitas, uma oportunidade que não deixei escapar. Lembro que caminhava, quase todos os dias, por cerca de 45 minutos para praticar o contrabaixo.
E BH?
Meu primo acabou se mudando para Belo Horizonte e fiquei desmotivado por um curto período. Até que descobri sobre o Palácio das Artes, o que foi interessante, porque descobri a escola na última semana de inscrições para o processo seletivo. Um fato curioso sobre esse processo foi a última etapa, que consistia em uma entrevista. Perguntaram-me se eu estava ciente de que faria um curso de contrabaixo acústico, e fui totalmente sincero ao dizer que não estava ciente. Quando me perguntaram se eu teria condições de adquirir um, respondi que sim, pois acreditava que o preço seria semelhante ao de um baixo elétrico, triste realidade. Felizmente, devido à minha idade e por ser um curso básico, consegui uma das vagas.
Voltamos ao Cefart?
O Cefart foi fundamental na construção da minha base musical. Foi lá que aprendi a ler partituras, fazer solfejo, identificar sons e dominar todos os outros elementos básicos para me tornar um músico.
Boas lembranças do Cefart e do Palácio das Artes?
O Cefart sempre terá um lugar especial em minhas memórias, foram três anos em que eu pegava a estrada todos os dias da semana para ir estudar, buscando aproveitar ao máximo cada momento. Foi lá que minha jornada musical começou e onde descobri minha paixão pelo contrabaixo, bem como pela música de orquestra, ópera e o balé. Além do desenvolvimento musical, também foi onde forjei amizades profundas que perduram até hoje.
E os próximos passos, para animar outros jovens?
A cada passo que dei ao longo desses anos, tive a companhia de pessoas especiais que estiveram ao meu lado, apoiando e incentivando meu crescimento tanto na música quanto como indivíduo. Algumas delas, que amo profundamente, estiveram presentes durante toda essa jornada, tornando cada momento ainda mais significativo.
Como você chegou onde está e ainda premiado?
Esforço, dedicação e disciplina têm sido os pilares mais importantes e constantes ao longo de toda a minha jornada, que está apenas na metade de um percurso que ainda promete desafios e conquistas. Este concurso, mais do que um mero evento, representa o topo de todo o árduo trabalho. No ano passado, por exemplo, conquistei a terceira colocação na mesma competição, um feito que me encheu de orgulho e motivação.
Ótimo começo, mas a luta continua...
Reconheço a importância de ter um prêmio de competição em meu currículo, pois isso pode abrir portas e oportunidades. Mas acredito firmemente que um prêmio não pode ser o único medidor de sucesso. Ele não define plenamente a nossa vitória ou derrota. O verdadeiro triunfo está na jornada, no crescimento pessoal, nas lições aprendidas, e na paixão que dedicamos à nossa arte. Este concurso é uma etapa, mas não o ponto final.
Conselho aos jovens, pelo menos aos mais jovens que você?
Costumo dizer que para alcançar qualquer objetivo, é importante estabelecer três metas: de longo, médio e curto prazo. Como o ator Denzel Washington disse, “sonhos sem metas são apenas sonhos”. O trabalho diário o levará na direção que você deseja, embora possa haver obstáculos ao longo do caminho, eles são essenciais para o seu crescimento.
Parece pouco, mas deve ter muito mais...
O mais importante, é manter disciplina, persistência e objetividade. Embora na adolescência tenhamos mais tempo livre, é fundamental lembrar que o tempo é o recurso mais valioso que possuímos; uma lição que todos nós aprendemos em algum ponto de nossas vidas.
Sorte e muito trabalho?
Muito trabalho, mas com um pouquinho de sorte. O trabalho tem me proporcionado bons resultados, algo que meus pais podem confirmar, considerando a quantidade de vezes que os incomodei com o som alto. Para aqueles que não estão familiarizados com a rotina diária de um músico, devo dizer que não é algo particularmente prazeroso.
Mas o Universo conspirou a teu favor, certo?
A sorte sempre esteve ao meu lado. Já vivi situações em que tudo parecia estar alinhado para dar errado, mas, felizmente, tudo deu muito certo.
Qual teu compositor favorito?
Frank Proto, Mozart e Strauss.
Qual o próximo passo na “jornada” para se “tornar o melhor profissional possível”?
Além de fazer parte da orquestra da Universidade, atualmente sou músico substituto na Orquestra Sinfônica de Meridian e na Gulf Coast Symphony Orchestra. Estou aproveitando essa oportunidade para adquirir experiência profissional em performance. Meus próximos passos incluem a busca por uma posição permanente nessas orquestras e a preparação para meu futuro mestrado.
E o “gran finale”?
Minha meta final é consolidar a carreira como músico de orquestra. Sei que você não me perguntou sobre isso, mas é importante ressaltar o apoio incondicional dos meus pais durante todo esse processo. Em vários momentos, meu pai pegava a estrada às 3:30 da manhã para trabalhar, só retornando por volta das 8:30 da noite. Minha mãe sempre se dedicava ao máximo em seu trabalho autônomo. Mesmo em feriados importantes como o Natal, eles faziam isso tudo para nos proporcionar, a mim e meus irmãos, um futuro melhor. Eles são os meus verdadeiros ídolos, e por causa deles, tento ser o melhor ser humano possível, todos os dias.