Dolce Vita | domingo, 19 de julho de 2020

"La vie en rouge" de Paloma Marques

Foto: Edy Fernandes


Pronta para a volta e as voltas do mundo, Rafaela Lopes

Foto: Edy Fernandes


Esbanjando saúde e otimismo, Raíssa Brito

Foto: Edy Fernandes


A psicanalista e "filósofa" do dia, Simone Borges de Carvalho

Foto: Divulgação


Vamos vencer

Hoje uma bela e pertinente reflexão da psicanalista Simone Borges de Carvalho, coordenadora da Psicomater - Clínica de Psicologia e Psicanálise da Rede Mater Dei de Saúde, sobre o momento em que vivemos, sobrevivemos e muitos, infelizmente, morrem. “Bastante difícil, sem dúvidas, mas não sem expectativas e não sem esperança. A gente sempre tem uma aposta: um momento de grande mudança como este pode ser uma grande oportunidade de conquistas, de criação. Depende do que cada um vai poder, vai conseguir fazer”.

Vamos viver

“Acredito que podemos sair melhores. Há pouco, assisti ao meu cunhado, ele também psicólogo, dizendo: ‘A natureza está se recuperando, nós também podemos nos recuperar, quem sabe?’ Vivemos um momento de ruptura: essa pandemia rompeu com um modo de vida, ela não rompeu apenas com a saúde, ela tem consequências em vários campos da nossa  sociedade”.

Vencer e viver

“Será que devemos fechar os olhos para isso e viver como se nada tivesse mudado? Que tipo de enfrentamento vai nos permitir sair melhores dessa? Estamos assistindo a um aumento de sintomas de ansiedade, de depressão e de estresse. Alguns estudos realizados mais no início da pandemia, em outros países, mostram a ocorrência do aumento considerável desses sintomas”.

Viver e sobreviver

“Por exemplo, um estudo chinês indica a prevalência, durante a pandemia, de ansiedade: 35,1%. Depressão: 20,1%. Má qualidade do sono: 18,2%. Paralelamente, um estudo publicado na “The Lancet” diz que a prevalência de ansiedade e depressão entre os chineses é de 0,5%, 1%. Será que isso sinaliza que a saúde mental das pessoas vai de mal a pior?”.

Sobreviver e evoluir

“Gostaria de lembrar aqui, mas não usando as mesmas palavras, uma definição do Ministério da Saúde sobre saúde mental. O ministério afirma que a saúde mental é um equilíbrio emocional diante das tensões habituais da vida. Bem, podemos afirmar que essa pandemia não representa uma tensão habitual da vida”.

Evoluir e refletir

“Precisamos entender que os sintomas de ansiedade, depressão e estresse são reações normais diante de uma situação anormal. Ou seja, as pessoas que apresentam alguns desses sintomas não precisam se sentir envergonhados, ou incapazes. É o momento de cada um olhar para si, olhar para aqueles que estão ao lado, buscar ajuda se esses sinais de sofrimento estiverem presentes”.

Refletir e agir

“Mas então, se são reações normais por que elas nos preocupam, a nós profissionais da Saúde e principalmente do campo psi? Porque os estudos também mostram a importância, das pessoas, que apresentam esses sintomas, serem tratadas de forma precoce para que isso não venha se desenvolver como um transtorno mais grave em três, quatro ou cinco meses”.

Agir e lutar

“Devemos entender que o impacto psicológico de uma quarentena pode ser potencializado pelas repercussões psíquicas que a própria pandemia já produz, bem como suavizado de acordo com as medidas de contingência e enfrentamento utilizadas. E quais são os aspectos que podem acentuar os impactos psíquicos de uma quarentena?”.

Lutar e combater

“Os aspectos são diversos, podemos enumerar alguns: o tempo prolongado, a não garantia de assistência médica e de medicamentos, as perdas financeiras, medo de ser infectado e de infectar outras pessoas, frustração e tédio pela perda da rotina usual, informações insuficientes ou inadequadas, dificuldade para acesso ou fragilidade no apoio da rede socioafetiva”.

Combater e enfrentar

“O medo é um sentimento muito presente nessa pandemia. É muito importante ressaltar que ele é um grande aliado do ser humano, é a partir do medo que cada um busca se proteger. Por outro lado, se ele se apresenta de forma a paralisar o indivíduo, cabe a nós profissionais, possibilitar dosificar o medo, não eliminá-lo. Outro aspecto que tem se destacado é falta de previsão de retorno ao ‘normal’, não saber o que vai ser amanhã”.

Enfrentar e esperar

“Antes a gente podia manter a ilusão de que sabia o que seria o amanhã, hoje, ter essa ilusão está bastante difícil. Precisamos aprender a lidar com o ‘não saber’. Falam muito do ‘novo normal’, mas o que vai ser esse novo normal? Mudança dos comportamentos, mudanças da interação social, mudança da forma de trabalho, mudança dos valores?”.

Esperar esperança

“Mas, mesmo que para grande parte das pessoas, a quarentena seja uma experiência desagradável, desconfortável e pessoalmente dolorosa, não devemos perder de vista que ela é singular, que cada um vai vivê-la de um modo único. “Temos um tempo muito prolongado de quarentena; precisamos falar desse tempo, de suas dificuldades e das possibilidades. E por que precisamos falar?”.

Lança-Perfume

* Continua Simone Borges de Carvalho: “É a partir da palavra que cada um pode construir um recurso singular de enfrentamento. Falar permite refletir, olhar para si, tomar certa distância do acontecimento”.

“O que estou chamando de acontecimento: a própria pandemia, a quarentena, o isolamento, o distanciamento”.

“Quando falamos do acontecimento temos a chance de fazer uma ponte que nos permite alcançar a experiência, ou seja, como eu estou vivenciando isso”.

“Quais sentidos, quais significados eu construo a partir disso, como esse acontecimento impacta a mim”.

“O que eu estou querendo dizer com isso: veja só, a quarentena é um acontecimento que muitos estão vivenciando”.

“Entretanto, eu escuto de alguns pacientes: ‘Tá muito difícil permanecer em casa, não estou aguentando mais’”.

“Mas escuto de outros: ‘Nunca imaginei que eu ia gostar tanto de ficar quieto em casa, quero continuar assim, quieto por aqui’ sem que isso seja um sinal de depressão”.

“Para uns os recursos virtuais têm sido o suficiente para dar conta das demandas de contato social, outros já não suportam mais o contato virtual e precisam encontrar outros recursos possíveis”.

“Posso aqui dar dois exemplos: uma senhora, por volta dos seus 70 anos, família grande e vida social muito ativa, me pergunta: ‘E agora? Como vai ser? E meu encontro para o cafezinho da quinta? Vou ter que abrir mão?’”.

“Sugiro que ela faça o café virtual e que os filhos ou os netos organizem isso para ela em uma das plataformas disponíveis”.

“Hoje ela me conta que: ‘Agora tem o café de quarta e de quinta, muita gente quer participar!’. Um médico me conta que deixou de visitar seus pais por eles serem do grupo de risco e ele como médico exposto ao risco de contágio”.

“Mas chegou um levantando que a conversa virtual não se sustentava mais, então ele compra uma roupa de motociclista, porque o material da roupa permite ser desinfectado, se paramenta com pró-pé, face shild, máscara, óculos e vai dar um abraço nos pais”.

“Precisamos perguntar: o que é importante para você? Como você pode buscar isso de forma segura?”.

“A pandemia restringe muitas coisas, mas não pode restringir a criatividade, a simplicidade. É necessário dar voz ao desejo”.

Lembremos Mário Quintana: “De repente tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem... (existe) a vida que cada um escolheu experimentar”.