Dolce Vita | sábado, 7 de maio de 2022

A pintura, Ana Barcelos. Foto: Edy Fernandes 

Maldição de Minas

O saudoso, impagável, talentoso, gaiato e espirituoso; amigo e fotógrafo, Lincoln Continentino, costumava falar, com bom humor e crueldade: “Minas é uma fábrica de talentos, só ficam aqui aqueles que têm defeito de fabricação”. Sim. Em Minas, com raras exceções, santo de casa não faz milagre e ainda é apedrejado. Vejam os mineiros mais ilustres, todos radicados ou fugitivos no Rio de Janeiro, em São Paulo ou no mundo.

Romeno de Minas

Minas tem grandes artistas plásticos. Mas dos clássicos malditos, um deles é Emeric Marcier que, não era Marcier, mineiro, nem brasileiro. Judeu, Emeric Racz foi um pintor, muralista romeno, naturalizado brasileiro e convertido ao catolicismo. Embora as frequentes viagens à Europa, viveu no Rio - onde chegou em 1940, fugindo da guerra - e em Barbacena. Morreu de um ataque cardíaco, na casa de um amigo, em sua querida Paris, em 1990.

Alunos de Minas

Era até engraçado e meio esnobe, bobo. Mas, durante muito tempo, todo artista que se prezasse em Minas, precisava ostentar o título “aluno de Guignard”. Haja aluno de Guignard! Naqueles tempos, os pintores mais badalados eram Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) e Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995). Mas, Guignard nasceu em Friburgo, Rio de Janeiro e Lorenzato, mesmo natural de BH, era muito mais italiano.

Órfão de Minas

Já Marcier, por ter escolhido viver, criar e procriar em Barbacena, é quase um desconhecido. Mesmo com o Rio, ele tinha o “defeito de fabricação”, Barbacena. Certa feita, só de picardia, brincamos com a mecenas e criadora de museus, Angela Gutierrez: “Por que, a exemplo de Ouro Preto, BH e Tiradentes, você não faz um Museu Marcier, em Barbacena?”.

Fora de Minas

Ela nem respondeu. Sorriu mineiramente e partiu para outras. Emeric Marcier deve absolutamente nada aos mitos Guignard, Lorenzato, Portinari, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e, mais recentemente, Iberê Camargo. Apenas parece ter sofrido a maldição de ficar fora do eixo Rio-São Paulo.

Dentro de Minas

Nem mesmo e, principalmente em Barbacena, Marcier fez milagre, fez-se aparecer e sobreviver. Recentemente, lemos um absurdo no site “Barbacena Tem”. O Parque Museu Casa de Marcier, em Barbacena, encontra-se em total estado de abandono. A denúncia é da própria filha do artista plástico, Ana Catarina Marcier Sampaio Valle.

Vergonha de Minas

“A família registrou em fotos o descaso (da prefeitura) com um dos patrimônios históricos mais importantes do município. ‘O local está coberto por mato, cercas destruídas, iluminação improvisada em árvores, infiltrações em vários pontos da casa. Um local completamente abandonado. Nem parece um patrimônio do povo. Fizemos junto ao Ministério Público a denúncia, disse Catarina’”.

A escultura, Barbara Barbi. Foto: Edy Fernandes 

Lança Perfume

*O museu fica em uma área cercada de muito verde e favelas (comunidades), na estrada que liga o bairro Monte Mário ao distrito do Faria, zona rural.

É a casa onde viveu Marcier. Além dos preciosos afrescos sacros, nas paredes externas e internas da casa, o “acervo” reúne estudos em papel, para a execução de suas obras.

O destaque é um grande painel que retrata o Casamento de Nossa Senhora e São José.

O parque era agradável e tranquilo. Sítio com trilhas para caminhadas, quiosques, teatrinho de arena, gramados, flores e horta comunitária.

Mesmo agradável, se alguém ia lá, hoje, foge. Não pode nem chegar perto, nem entrar.

Se a própria Barbacena foi destruída ao longo dos séculos, imagine um museu sem acervo e sem atrativos.

A região é linda e seria ótimo local para um café, bar ou até restaurante. Mas, nada. “Barbacena só não derrubou suas igrejas porque é pecado, o resto...”.

Salvo engano, dizem as boas línguas que o filho de Marcier, o galerista e arquiteto, Matias Marcier, no Rio de Janeiro, tem muitas telas do pai.

A obra de arte, Giovanna Penido. Foto: Edy Fernandes 

Outras línguas dizem que o acervo do MASP, em São Paulo, também.

A verdade é que, fora alguns poucos colecionadores de Barbacena e BH, talvez do Rio e de São Paulo, o museu não tem acervo, afinal, roubar murais, sem destruí-los, é meio missão impossível.

No já jurássico 2016, centenário de Marcier, o Palácio das Artes, com modesta exposição, homenageou o pintor.

Foram parcas 70 obras oriundas de coleções de familiares, particulares e instituições, com curadoria de Edson Brandão.

E só!