Dolce Vita | sábado, 21 de outubro de 2023

A hora e a vez, sempre, de Ligia Amadio, regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Foto Isabela Senatore

Ave, Palavra

O universo de João Guimarães Rosa (1908-1967) não cabe na maior literatura, numa música de Geraldo Vandré, no teatro absurdo das imaginações, numa séria da Rede Globo, nem mesmo em dois filmes premiados, como é o caso do conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, última pérola, ou “Ouro de Tolo”, da mina “Sagarana”, obra que nem parece ser o que é, a estreia de Guimarães Rosa na literatura, em 1946.

Ave, Matraga

Certamente, por isso, o conto inspirou a ópera “Matraga”, em três atos, com libreto e música do argentino Rufo Herrera, inundando o Palácio das Artes com toda a riqueza do sertão de João Guimarães Rosa. Sertão que não é deserto, mas praia para a direção musical de Ligia Amadio, regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais - OSMG.

Ave, Minas

Amadio não está só. A direção cênica é da atriz e dramaturga Rita Clemente, com a arte maior da OSMG, do Coral Lírico de Minas Gerais e da Cia de Dança Palácio das Artes. Ideia lapidar escolheu a Gruta do Maquiné, em Cordisburgo, terra natal de Guimarães Rosa, para uma pré-estreia cercada dos cuidados que a gruta merece e exige. Poucos artistas, pequena plateia da comunidade.

Ave, Gerais

BH, mesmo sem gruta, poderá mergulhar em “Matraga”, na versão completa, com a participação dos corpos artísticos, música, cenário e figurinos, transformando o Grande Teatro Cemig Palácio das Artes no violento sertão do malvado Matraga, com hora e vez marcados: dias 25, 27 e 28 (com o maestro André Brant), às 20h30. Dia 29, domingo, às 19h.

Ave, Pecado

Preços populares para um público exigente. Público que, primeiro, vai odiar Matraga e, no fim, ao menos entendê-lo como um mortal nada simples. Matraga é rude como o sertão; suas leis, tradições e maldições. Achava-se dono de tudo, inclusive de seu destino, mas descobre que “mais forte é o poder e o perdão de Deus”. Será tarde? Todo crime tem castigo?

Ave, Cultura

Para o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, “‘Matraga’ é árida como um deserto e também um oásis. Os brutos não amam, possuem e lutam, ganham, perdem e, claro, têm ‘um encontro marcado’ como qualquer Augusto e Matraga na Terra do Sol. A ousadia da FCS, encerrando a temporada de ópera 2023 moveu montanhas e sertões para entregar ao público, uma ópera pouco convencional”.

Ave, Arte

Para o presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, “‘Matraga’ é um espetáculo ousado, contemporâneo, com características operísticas e sob inspiração de uma dramaturgia tipicamente mineira. As quatro apresentações são um raro prazer; a oportunidade de desfrutar de um momento único, de singulares criatividade e expressão artística. Estamos orgulhosos pelo privilégio”.

Hoje, entre as rosas de Guimarães, a diretora geral da ópera “Matraga”, Cláudia Malta. Foto: Mariana Werkema

Rita Clemente, na concepção e direção cênica de "Matraga", transformou o sertão em arte. Foto: Paulo Lacerda

Lança Perfume

*Cenografia, de Miriam Menezes; figurinos, de Sayonara Lopes; iluminação, de Danilo Manzi.

Direção coreográfica de Alex Soares; preparação do Coral Lírico, de Hernán Sánchez e direção geral, de Cláudia Malta.

“A Hora e a Vez”, para o crítico literário Antonio Candido (1918-2017), é a obra-prima de Sagarana. O regional encontrando o universal.

O primeiro filme (1965), de Roberto Santos, venceu o Festival de Brasília em 1966.

O segundo (2011), de Vinícius Coimbra, ganhou o Festival do Rio, no mesmo ano, mas só foi lançado em 2015.

Rufo Herrera traz Guimarães Rosa para dentro da obra que, como narrador, caminha pelo sertão.

“Minha opção por ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’ devo-a à minha vivenciada identificação com o universo rosiano”.

O sertão de João Guimarães Rosa, de Minas, não é o sertão de Jorge Amado, Glauber Rocha e da Bahia.

Não é o Velho Oeste de Clint Eastwood e dos Estados Unidos.

É a terra de coronéis, cangaceiros, sertanejos, justiceiros e pistoleiros, no dilema entre o livre-arbítrio e o determinismo; suas consequências, ainda mais violentas e injustas.

O sertão da ópera Matraga não é o sertão de Antônio Conselheiro.

É personagem como a terra, o homem e a luta, em Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Para a diretora, Rita Clemente, “temos acima de tudo, Teatro, sim, com ‘T’ maiúsculo. Não existe apenas um modo de se fazer óperas. Há muitas maneiras e algumas sequer conhecemos”.