Dolce Vita | domingo, 5 de setembro de 2021
Em noite de jazz & bossa no Meat&Co, as belas "obras de arte" Luciene Hoepers e Grasielle Bastos. Foto: Arquivo Pessoal
O sentido da vida
Ontem, aqui, tivemos o privilégio e raro prazer de entrevistar o grande pintor, Fernando Lucchesi, sobre arte e sua nova exposição, “Flores para Guignard”, até 18 de setembro, na Errol Flynn Galeria de Arte. Lucchesi, com a perspicácia de sempre, pincelou temas que merecem murais de repercussão. Entre outras verdades, afirmou que “estamos perdendo o verdadeiro sentido das coisas. Ser artista plástico nesse país é difícil. Infelizmente, no Brasil, não se valoriza a arte”.
O sentido da arte
“O que importa é o valor monetário. Sempre foi assim. Guignard é a prova da desvalorização da arte. Ele era um artista único, que só foi reconhecido após a sua morte. Ele foi explorado, massacrado, morreu na miséria e sozinho. A nova geração não conhece Guignard. Ela bate um prego na parede, pendura um barbante e chama de obra de arte. Está tudo muito vazio. A pintura é o que me salva. É nela que tento transformar a minha amargura, um pouco de saúde mental nesse mundo louco”.
O sentido da morte
Fernando Lucchesi falou pouco, mas lançou chamas sobre um tema capital. Artistas estão sempre à frente de seu tempo e pagam um preço alto por isso. Grandes mestres, em todo mundo e no Brasil, como Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), repetimos: são “únicos, só reconhecidos após a morte. Geralmente são explorados, massacrados, morrem na miséria e sozinhos”. Muito depois, quando não mais precisam, são reconhecidos, venerados e valorizados. “O que importa é o valor monetário”, criado, inventado, pelo mercado.
O sentido insensato
Completando sobre o valor monetário da arte, sempre líquido e certo, muitas vezes tardio e inútil para o próprio artista, recentemente, o Nubank enviou um texto muito pertinente a seus clientes. E quando um banco chama a atenção para a arte, não é devido seu lado mecenas, mas de banco mesmo. Então, vamos ao texto que, mesmo financeiro, não deixa de ser uma homenagem à arte e seus protagonistas.
O sentido banana
A “newsletter” do Nubank começa com uma pergunta, “Porque arte é tão cara” e uma afirmação tão cruel, quanto frequente: “Qualquer um faz isso”. E depois continua. “Em 2019, um artista em Miami grudou na parede uma banana com um pedaço de fita. Essa obra, chamada de ‘Comedian’, foi vendida por US$120 mil. O artista era o italiano Maurizio Cattelan, famoso na arte contemporânea pelo sarcasmo nos trabalhos”.
O sentido barbante
“A parede era a da Art Basel de Miami, uma das mais importantes feiras de arte do mundo. Esses dois fatores mudam tudo. Mas como se estabelece o preço de uma obra? Quem garante que aquilo vale tanto? A gente explica. O que é arte para o mercado? Reputação de mercado! Esse é um dos principais fatores que fazem uma obra valer tanto dinheiro. Tanto Cattelan quanto a Art Basel têm reputação de sobra”.
O sentido insensível
“Certificado de autenticidade! Quem compra uma peça de arte recebe esse documento que dá a posse daquela ideia. A banana vai apodrecer, a fita vai perder a cola. Mas aquele documento dá o direito legal de remontar a ideia, seguindo instruções específicas. Valor é abstrato, não? E a arte contemporânea gosta muito de brincar com essa ideia. Mas nem só de banana é feito o mercado da arte”.
O sentido sentado
“Segundo um relatório da Art Basel, o mercado de arte movimentou US$64 bilhões em 2019. Um pouco de história (do dinheiro) da arte. Na Grécia antiga, peças como vasos, esculturas, joias e cerâmicas eram vendidas pelas rotas do Mar Mediterrâneo. No Renascimento, séculos 15 e 16, na Itália, artistas como Da Vinci, Michelangelo e Rafael produziam recebendo comissão de mecenas, uma espécie de patrocinador”.
Outra "obra prima" do domingo, Maíra Santana. Foto: Edy Fernandes
Lança Perfume
*Continua a aula sobre arte e seu valor.
“Contrato fechado. Ter um mecenas não significava que o artista tinha liberdade de fazer o que quisesse”.
Os patrocinadores decidiam quase tudo sobre os quadros, do tema da pintura aos materiais. Como se fosse um trabalho ‘freelancer’ de hoje em dia”.
“Por que obras de arte são tão caras? Via de regra, aquilo que é raro custa caro”.
“Isso vale para diamantes, esculturas, trufas (o cogumelo, não o chocolate) e mais um monte de itens escassos no mundo”.
“O pintor italiano Caravaggio, um dos artistas mais importantes do barroco italiano, morreu aos 38 anos. A sua obra completa é composta de cerca de 90 pinturas, e só”.
“E quando não é raro? Na década de 1960, Andy Warhol (que pintou as latas de sopa de tomate e fez retratos coloridos da atriz Marilyn Monroe) incluiu máquinas no processo”.
“E passou a reproduzir gravuras a rodo. Uma impressão de Andy Warhol custa caro, mas não tão caro quanto uma pintura de Caravaggio”.
“Existem vários outros fatores que influenciam o preço das obras”.
“Se um artista está na moda, por exemplo, gerando muito interesse nos mercados globais, o preço das obras pode ser inflacionado”.
“É o caso de Banksy, artista de rua anônimo que, em 2021, vendeu um desenho por US$20 milhões”.
“Há desenhos de Picasso à venda por muito menos, ainda que sejam caros”.
“Não significa que Banksy seja mais importante que Picasso, mas quer dizer que o mercado está aquecido, interessado em suas obras”.
Deu para entender? Difícil, não é? Mas continuemos com a aula do Nubank.
“Negócio da arte. Revelar um novo talento pode ser um excelente investimento: comprar uma obra quando o artista ainda é pouco conhecido, apostando que ele irá estourar”.
“Se der certo, ótimo. Quem comprou a arte na baixa depois vai lucrar muito ao vender na alta”.
“Mas pode ser que a carreira daquela pessoa não decole, e a obra não se valorize”.
“Mercado concorrido. Hoje, o grosso do mercado é dominado por galerias, que representam o trabalho dos artistas”.
“Não é nada fácil entrar nesse seleto circuito. Elas levam obras para feiras internacionais ou entregam para casas de leilões, por exemplo”.
“Dou-lhe uma… Quem paga mais leva pra casa ou para suas coleções públicas algumas relíquias”.
Arte em forma de mulher, Magda Carvalho. Foto: Edy Fernandes
“Em 2016, foi quebrado um recorde: uma pintura de Leonardo da Vinci foi arrematada por nada menos do que US$450 milhões”.
“Mas quem define o preço? Os especialistas que contam com a confiança do mercado”.
“E avaliam quanto aquele trabalho vale no momento e quanto deve valer daqui um tempo”.
“Tripé. O preço da arte é mais ou menos definido por esse trio de galerias, instituições de arte e leilões”.
“Hoje em dia influenciados também pela mídia e as redes sociais”.
“É por causa do valor que essas instituições atribuem que uma banana colada na parede pode valer tanto dinheiro”.
“O mais importante é que alguém pagou por ela”.
“Quando existe um consumidor disposto a desembolsar esse valor, ele confirma que tanto a galeria quanto o artista estavam certos. Mesmo sendo só uma banana na parede”.