Dolce Vita | domingo, 4 de julho de 2021

Um pouco de beleza na loucura, Natália e Tatiana Benevides. Foto: Edy Fernandes

Bonitinho e ordinário

Ainda não cansamos de bater na importância de checar a autoria de textos “bonitinhos, lindos e poéticos” que circulam nas obscuras redes sociais, terra de ninguém, espaço de plágio e oceano de “fake news”. Por exemplo, num grupo de amigos (chatos), no WhatsApp, lemos: “Achei cabível para o momento, a beleza desse poema escrito há dois séculos”.

Ordinário e comum

Verificamos a verificação da Lupa News, agência especialista nestas fraudes: “Circula nas redes sociais poema atribuído à escritora ‘K. O’Meara’, feito durante uma epidemia em 1800. Os versos falam de como atravessar uma ‘tempestade’ em meio ao caos e às turbulências da vida. A informação analisada pela Lupa é falsa”.

Comum e falso

O poema amplamente compartilhado não foi escrito por K. O’ Meara, em 1800, mas sim pelo artista cubano Alexis Valdés, durante a pandemia da Covid-19. Foi publicado dia 21 de março de 2020, em sua conta pessoal no Instagram, com o título “Esperanza”. A não ser que a Lupa também seja falsa, Valdés confirmou a autoria.

Falso e equivocado

O poema de Valdés também foi atribuído a vários outros autores. Entrevistado pela televisão norte-americana, Telemundo, Valdés disse que a inspiração veio de um momento de reflexão sobre a vida em tempos de pandemia. Em tempo! A investigação é parte do projeto de verificação de notícias do Facebook, pouco confiável porque, com forte esquema de censura, está cada dia mais tendencioso.

 

Um pouco de saúde na loucura, Shirley Gomes e Rafaela Paixão. Foto: Edy Fernandes

Equivocado sincero

Mas vamos ao “bonitinho” poema cubano: “Quando a tempestade passar, as estradas se amansarem e formos sobreviventes de um naufrágio coletivo, com o coração choroso e o destino abençoado, nós nos sentiremos bem-aventurados só por estarmos vivos. E nós daremos um abraço ao primeiro desconhecido. E elogiaremos a sorte de manter um amigo”.

Sincero e nefelibata

“Vamos lembrar tudo que perdemos e de uma vez aprenderemos tudo o que não aprendemos. Não teremos mais inveja pois todos sofreram. Não teremos mais o coração endurecido. Seremos todos mais compassivos. Valerá mais o que é de todos do que o que eu nunca consegui. Seremos mais generosos. E muito mais comprometidos. Nós entenderemos o quão frágeis somos e o que significa estarmos vivos!”.

Nefelibata e divino

“Vamos sentir empatia por quem está e por quem se foi. Sentiremos falta do velho que pedia esmola no mercado, que nós nunca soubemos o nome e sempre esteve ao nosso lado. E talvez o velho pobre fosse Deus disfarçado. Mas você nunca perguntou o nome dele. Porque estava com pressa. E tudo será milagre, um legado! E a vida será respeitada! Quando a tempestade passar, eu te peço Deus, com tristeza, que você nos torne melhores, como você nos sonhou”.

Divino e maravilhoso

Bonitinho, concordam? Ainda mais vindo de um cubano, prisioneiro de um país lindo, mas que vive numa eterna tempestade, com ou sem Covid-19. Texto lindamente equivocado porque o otimista é, no mínimo, uma pessoa mal informada. Sentimos muito, Valdés, leitores e leitoras; a tempestade pode até passar, mas o mundo continuará o mesmo: burro, egoísta, invejoso e cruel.

Maravilhoso e perverso

Melhor outro texto, nada bonitinho, mas real: “QI médio da população mundial diminuiu nos últimos vinte anos”, escreveu o francês Christophe Clavé, outra pérola das redes sociais. Texto precedido por outra verdade: “Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros. E os grandes comem os pequenos. Padre Antônio Vieira (1608 —1697), no sermão de Santo Antônio aos Peixes.

Perverso e burro

Não vamos repetir o texto de Clavé, grande e já comentado. Vale lembrar sua essência: “O QI da população (que sempre aumentou desde o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), até o final dos anos 90, diminuiu. O nível de inteligência diminui nos países mais desenvolvidos. Uma das muitas causas é o empobrecimento da linguagem.

Burro e perigoso

Quem não consegue se expressar bem com palavras será capaz de construir pensamentos mais elaborados e originais? Usando o quê? Expressões prontas e repetidas à exaustão? Abreviações? Grunhidos? “Emoticons”? Esta pobreza, naturalmente, aumenta a nação de idiotas que já é infinita. E a burrice é a mãe de todos os males, irmã do Egoísmo.

Perigoso e eterno

Impossível não lembrar, repetir e reverenciar Nelson Rodrigues: “Invejo a burrice porque ela é como a Pedra da Gávea, eterna”. “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. Isso, claro, para quem sabe quem foi Nelson Rodrigues, para quem consegue ler Nelson Rodrigues. Ou, simplesmente, para quem consegue ler, na época dos analfabetos funcionais.

Um pouco de poesia na loucura, Simone Gomes. Foto: Arquivo Pessoal

Lança Perfume

“Quando você morre, você não sabe que está morto e por isso quem sofre são os outros. É a mesma coisa quando você é idiota”.

*Aqui mesmo, em O TEMPO, temos uma crônica de Arnaldo Jabor, de 2014, “A Burrice e a Ignorância”.

“A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza”, Jabor citando quem? Nelson Rodrigues.

“A ignorância quer aprender. A burrice acha que já sabe. A burrice, antes de tudo, é uma couraça. A burrice é um mecanismo de defesa. O burro detesta a dúvida e se fecha”.

“O ignorante se abre e o burro esperto aproveita. A ignorância do povo brasileiro foi planejada desde a Colônia”.

“A burrice tem avançado muito; a burrice ganhou status de sabedoria. Os grandes burros têm uma confiança em si que os ignorantes não têm”.

“Os burros são potentes, militantes, têm fé em si mesmos e a ousadia que os inteligentes não têm. Na percentagem de cérebros, eles têm uma grande parcela na liderança do país”.

Pena não termos espaço para reproduzir todo o texto de Jabor. Vale muito procurar a íntegra no Google.

“A burrice é o bloqueio de qualquer dúvida de fora para dentro, é uma escuridão interna desejada”.

“É o ódio a qualquer diferença, a qualquer luz que possa clarear a deliciosa sombra onde vivem”.

“Invejo os burros. O burro sofre menos, encastela-se numa só ideia e fica ali, no conforto, feliz com suas certezas. O burro é mais feliz”.

“O verdadeiro burro é surdo. E autoritário: quer enfiar burrices à força na cabeça” das vítimas. “O burro dorme bem e não tem inveja do inteligente, porque ele ‘é’ o inteligente”.

Jabor lembra ainda o crítico literário Agripino Grieco, com frases lindas. “A burrice é contagiosa; o talento, não”.

Há uma semana, antes da almoço no Petruccio, comemorando aniversário, na Pousada Brisa da Serra, em Tiradentes, um show de vida e de beleza com Cláudia Sperb, Cristina Chiari; a arquiteta e aniversariante, Fernanda Sperb e Lígia Jardim. Foto: Arquivo Pessoal 

“Para os burros, o ‘etc’ é uma comodidade...”. “Passou a vida correndo atrás de uma ideia, mas não conseguiu alcançá-la”.

“No dia em que ele tiver uma ideia, morrerá de apoplexia fulminante”.

“Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos”.

E aí voltamos ao cubano e sua tempestade! Tadinho! Nada, nada mudou ou vai mudar depois da tempestade/pandemia.

Em grande escala, vejam o mundo, o mesmo, desde sempre e cada vez pior em 2020 e 2021.

Onde está a solidariedade dos novos tempos, do novo normal e do anormal?

Com ou sem pandemia, o mundo continua em mil guerras, os bilionários cada vez mais ricos, mais egoístas, gananciosos; os pobres cada vez mais miseráveis.

A classe média cada vez mais abaixo da média.

Guerras quentes e frias, econômicas e por mais poder; com milhões morrendo de Covid-19”.

Morrendo das doenças de sempre, de fome e de pobreza. Onde e quando o mundo ficou mais solidário?

Vejam no Brasil e no mundo, os bandidos de sempre, ganhando com a doença e com a morte, roubando dinheiro da Saúde.

No Brasil em particular, “vagabundos de estimação” e da Velha Guarda transformados, da noite para o dia, em paladinos da Justiça.

Em pequena escala, basta olharmos para o lado, “irmão desconhecendo irmão”. Amigos de araque, palavras e promessas vazias, tapinhas nas costas.

Gente que não divide, não compartilha; pode e não ajuda. Gente insaciável que quer acumular mais, que quer sempre mais.

Gente burra que continua acreditando na esperteza, no jeitinho brasileiro; porque o negócio é levar vantagem, certo?