Dolce Vita | domingo, 3 de maio de 2020
Todo charme e elegância de Nat Saraiva e Fabi Senra
Foto: Edy Fernandes
Emprestando sua beleza para a coluna, Patrícia Azeredo Coutinho
Foto: Edy Fernandes
Todo glamour de Luísa Fernandes
Foto: Edy Fernandes
Quando acabar
Quando tudo acabar, tudo vai recomeçar. Com exceção da tecnologia, que mostrou seu poder e provou de uma vez por todas que podemos, sim, sobreviver quase normalmente, “esperando o bonde, a banda passarem” e a vida voltar ao normal; tudo mudou para continuarmos na mesma. O mundo não vai acabar, as pessoas não vão mudar. A quarentena apenas adiantou o inevitável. As pessoas vão continuar individualistas e egoístas; “solidárias apenas no câncer”. A grande maioria vai continuar “esperando Godot”.
Quando continuar
A prova maior é que, desde sexta-feira, o Brasil colocou a pandemia em segundo plano, brigando por “Beatles ou Stones”, “Chico ou Caetano”, “Jair Bolsonaro ou Sérgio Moro”. Podemos sobreviver a uma pandemia, mas não para sempre. Ninguém vive ou sobrevive sozinho, não somos Robinson Crusoé. Precisamos trabalhar, mesmo com muita gente acreditando que ovo nasce na geladeira. A seguir, mais um texto bonitinho de autoajuda, só isso.
Quando terminar
“Quando tudo terminar, vamos sair com o cabelo mais comprido e mais branco. Com as mãos, casas limpas e roupas antigas. Com medo e vontade de estar fora. Com medo e vontade de conhecer alguém. Vamos sair com os bolsos vazios e as dispensas cheias. Nós saberemos fazer pão e pizza e aprendemos a não desperdiçar a comida que pode faltar...”.
Quando sonharmos
“Lembraremos que um médico ou enfermeiro deve ser aplaudido mais do que um jogador de futebol e que o trabalho de um bom professor não pode ser substituído por uma tela. E que costurar máscaras, em certos momentos, é mais importante do que fazer alta moda. Que a tecnologia é muito importante, na verdade vital, quando é bem usada, mas pode ser prejudicial se alguém quiser usá-la para fins próprios”.
Quando delirarmos
“E que nem sempre é indispensável entrar no carro e fugir quem sabe para onde... Vamos sair mais sozinhos, mas com vontade de estar juntos. E vamos entender que a vida é boa porque você vive. E que somos gotas de um mar. E que só juntos conseguiremos sair de certas situações. Que às vezes o bem ou o mal vem de quem você menos espera. E vamos olhar para o espelho. E vamos decidir que talvez o cabelo branco não seja assim tão ruim”.
Quando amarmos
“E que a vida em família é importante e amassar pão para eles nos faz sentir importantes. E aprenderemos a ouvir respirações, os golpes de tosse, a olhar nos olhos, para proteger a quem amamos. E respeitar algumas regras básicas de convivência. Talvez seja assim. Ou não. Mas esta manhã, num dia de outono, eu quero esperar que tudo seja possível e que se possa mudar para melhor.” (Grupo Eu amo borboletas – Ana Nunes).
Quando acordarmos
Muito bacana, legal e bonitinho o texto, não é verdade? Pena que é ficção científica. E repitamos: as pessoas não mudam. Como não mudaram depois de mil e uma outras epidemias, guerras e tragédias. Querem um exemplo triste e concreto? Os acidentes de carro diminuíram muito não porque as pessoas estão dirigindo com mais responsabilidade, mas porque os automóveis estão parados, estacionados.
Curtas & Finas
* Continuando não o pessimismo, mas o realismo, a violência diminuiu não porque o ser humano ficou bonzinho, mas porque está preso em casa.
Assaltos, roubos, assassinatos caíram, por falta de vítimas e consumidores. Em compensação, aumentou e muito a violência doméstica. O que era grave, ficou gritante. E no mundo inteiro.
É fácil entender. Antes da pandemia, a violência era mais recorrente à noite e nos fins de semana, quando o marido, o pai está em casa.
Agora, esses maridos e pais violentos estão 24 horas por dia junto às suas vítimas, às vezes bebendo e tomando “coragem”, com álcool e drogas.
Se antes era ruim, imaginem numa convivência forçada, num confinamento, numa quarentena, numa “prisão”.
Nervos à flor da pele. Casamentos em crise há muito tempo, que sobreviviam apenas nas aparências, pela comodidade, por preguiça, dinheiro e/ou filhos.
Na França, “um país civilizado”, a violência doméstica aumentou em 30%. A polícia criou postos de atendimento e denúncia até em supermercados.
“Quando a necessidade entra pela porta, o amor sai pela janela”. No Brasil, numa crise sem fim e precedentes, seria importante conhecer os números de violência tão covarde.
Quando tudo terminar? Tudo vai voltar à normalidade anormal.
Pouco mais de um ano depois da tragédia de Brumadinho, que “comoveu e revoltou” o Brasil, alguém lembra das vítimas e dos heróis bombeiros?
Daqui um ano, os novos heróis, enfermeiros e profissionais da saúde, faxineiras de hospitais e lixeiros; motoristas de ônibus e caminhões continuarão com seus salários de medo e de fome.
Quem tem salário fixo e garantido fica deitado, ditando regras em casa, com geladeira cheia e TV ligada. Quem não tem já passa necessidade.
Quando tudo terminar, veremos que os problemas não acabaram, mas estão maiores, como o desemprego, as filas no SUS, a violência e a corrupção que gera tudo isso.
Quando tudo voltar ao “normal”, comprovaremos que o mais importante não é a vida ou o Brasil, mas derrubar o presidente, para tudo voltar ao futebol, pão e circo.