Dolce Vita | domingo, 28 de março de 2021
Domingo é "ton sur ton", com Catarina Paes. Foto: Edy Fernandes
Brasil brasileiro
O Brasil parece cada vez mais com a obra surrealista do grande, esquecido e injustiçado gênio da literatura, Lima Barreto (1881-1922), autor de obras primas como “Triste Fim de Policarpo Quaresma” e “O Homem que Sabia Javanês”. Parece também o “lado Lima Barreto” de Machado de Assis, (1839-1908) quando escreveu “O Alienista”.
Brasil alienista
Em “O Alienista", o Dr. Simão Bacamarte começa a internar os alienados (loucos), da pequena Itaguaí. Em pouco tempo 75% dos habitantes estão no manicômio Casa Verde. Percebendo falhas em sua tese, Bacamarte libera todos os internos e refaz sua teoria. Se a maioria apresentava desvios de personalidade e não seguia um padrão, loucos eram os outros.
Brasil alienado
Louco era quem possuía firmeza de caráter. Assim, pessoas são consideradas curadas ao apresentarem algum desvio de caráter. Por fim, como ninguém tinha uma personalidade perfeita, exceto ele próprio, Bacamarte conclui ser o único anormal e decide trancar-se sozinho na Casa Verde para o resto de sua vida.
Brasil contaminado
Há uma semana viralizou mais que a Covid-19 um vídeo sobre a churrascaria “Fogo de Chão”. Na esteira, mesmo impacto para a catarse intitulada: “Caso MPT x churrascaria Fogo de Chão: R$17 milhões por cumprir a lei”, do juiz do Trabalho, Otávio Torres Calvet. Tentaremos resumi-lo.
Brasil condenado
Milionária condenação, em decorrência de demissões em massa sem prévia negociação com o sindicato profissional. O tema é recorrente e vale uma análise para entendermos a condenação, com a dispensa de pouco mais de cem empregados sem negociação prévia com o sindicato, logo no início da pandemia da Covid-19.
"La vie en rose" com Cláudia Alves. Foto: Edy Fernandes
Brasil executado
A determinação da juíza: multa de R$17 milhões e a manutenção dos empregos. A forma de pensar da juíza é comum. Logo, não é uma crítica pessoal, mas uma válvula de escape. Imagino o que pensa a pessoa condenada: “mas a lei não permitia expressamente esta conduta? Por que estou sendo condenado se fiz exatamente o que o legislador autoriza?”.
Brasil surreal
Pior deve ser a explicação do advogado ao condenado: "Então, fizemos o que a lei permite, mas nunca saberemos o que se passa na cabeça do juiz". Segundo a juíza, a empresa condenada é "sólida, com lojas espalhadas no Brasil e no exterior”. Sim, os lucros caíram com a pandemia, mas, certamente, a empresa tinha mais dinheiro do que cem famílias que, abruptamente, perderam sua fonte de renda e o plano de saúde.
Brasil real
Eis a certeza preconcebida de que toda empresa sólida deve suportar os encargos sociais, mesmo fechada ou com suas atividades reduzidas ao extremo. “Não há lógica, nenhuma norma em nosso ordenamento jurídico que determine a manutenção de empregados pelo fato do empregador possuir mais condições financeiras do que os trabalhadores”.
Brasil irreal
“Não vivemos em um sistema comunista ou socialista (...) A necessidade ou não de negociação coletiva prévia para dispensa em massa depende da análise da condição financeira do empregador? Onde está previsto tal requisito?”. E mais. As demissões não precisam de autorização sindical, mas é obrigatório dialogar com o sindicato antes.
O outono florido de Marina Perez. Foto: Edy Fernandes
Lança Perfume
*Então pensa a empresa condenada: bastaria conversar com o sindicato dos trabalhadores?
Nem precisaria da autorização do sindicato para a dispensa, somente um diálogo evitaria essa condenação milionária?”. Faltou a terapia sindical.
“Se o empregador tivesse sentado no divã do sindicato, não precisaria pagar a conta milionária que lhe foi imposta”.
Troquemos a assessoria jurídica, por terapia. “Antes e depois da sentença”.
*Termina o juiz Otávio Torres Calvet: “Sou magistrado há quase 24 anos e hoje compreendo exatamente o sentimento do ex-ministro do STF, Eros Grau”.
“Eros Grau, na sua clássica obra, “Por que tenho medo dos juízes?". A próxima edição poderia evoluir seu título para: "Por que morro de medo dos juízes?".
Resumindo e simplificando: A Fogo de Chão foi condenada a pagar R$17 milhões por “danos morais coletivos” e promover demissão em massa sem prévia negociação coletiva.
Uma decisão em meio ao caos, quando empreendedores e comerciantes estão impedidos de trabalhar.
Impedidos de trabalhar, mas obrigados a continuar pagando impostos e encargos referentes ao negócio, sem contar o salário dos funcionários.
A empresa “sólida, no Brasil e no exterior”, faz com que ela tenha “mais capital para administrar a crise do que cem famílias que, abruptamente, perderam sua fonte de renda”.
Renda “e o importantíssimo benefício do plano de saúde”. Daí os R$17 milhões e a obrigação da recontratação dos funcionários.
Ainda segundo o órgão, a Fogo de Chão deveria ter dialogado com o ente sindical, “buscando uma saída menos injusta para os empregados”.
“Se tivesse aberto este canal, não teria feito as rescisões com corte de direito. Teria evitado tanto sofrimento para seus empregados”, concluiu.
Esta “história absurda” não lembra apenas Eros Grau na sua clássica obra, "Por que tenho medo dos juízes?". Ou "Por que morro de medo dos juízes?".
Lembra também Rui Barbosa (1849-1923), em frase desenterrada, descoberta e perfeita desde que o Poder Judiciário virou “global”, desde o Mensalão, passando pelo “Petrolão” e infinitos etc.
Quando Rui Barbosa avisou e ensinou: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.
Quem manda no Brasil? O presidente da República? Definitivamente não.
Quem pode cortar a cabeça do carrasco? Ninguém.