Dolce Vita | domingo, 23 de janeiro de 2022

Linda força da natureza, Cláudia Resende. Foto: Edy Fernandes

A Casa de Papel

Até então, a última vítima séria das chuvas, que ainda estão longe do fim, com as águas de março, foi o Solar Baeta Neves, soterrado pelo morro da Forca, em Ouro Preto. E estava interditado desde 2012, quando ocorreu semelhante desmoronamento. Não houve vítimas porque estava vazio. Mas um belo casarão desmanchou-se como papel, levando para o ralo, um pingo de nossa história. E, de pingo em pingo vai-se um oceano.

A Casa de Água

Dinheiro não traz felicidade, nem resolve tudo, mas com certeza, ameniza e ajuda muito. Riqueza é um presente que também pode ser uma maldição, principalmente em Minas. Infelizmente, as tragédias das águas de janeiro são uma velha canção em nossos ouvidos. É o preço por sermos uma caixa d’água do Brasil, reserva do Sudeste e também a maior vítima do líquido mais precioso do mundo, a água.

O Vulcão de Água

Neste jornal O TEMPO, dia 9, um dia após a tragédia em Capitólio, onde uma falésia também “derreteu”, com vítimas, aprendemos que “O Brasil é o quinto país no mundo entre os que mais registram vítimas associadas a eventos geológicos e geotécnicos, com mais de 41 milhões de pessoas afetadas e 42 eventos de grande magnitude ocorridos nos últimos dez anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)”.

O Vulcão de Lama

Dois dias depois, no mesmo jornal, na coluna de Luiz Tito, lemos: “Na luta pela limpeza da BR–040, decorrente do transbordamento do dique da Vallourec, não se viu o apoio das mineradoras, oferecendo seus poderosos equipamentos para amenizar o transtorno causado”. Contra a força ou vingança da natureza, pouco podemos. Mas um outro pouco, investido em segurança e prevenção, evitaria muitas mortes e prejuízos infinitos.

O Vulcão Amigo

Chuvas são benção, principalmente depois da importante crise hídrica que conhecemos em 2021. A falta delas afeta negativamente a Economia porque vai em sua jugular, o agronegócio que, há muito salva lavoura e pátria. Fortes chuvas no verão são normais. Por que então, todo ano, são tão mortais? Porque Minas não está preparado para “conviver” com elas, mas pronto para sofrer?

O Vulcão de Drácula

A resposta está no início desta coluna e no capítulo mineradoras que, por falar em jugular, são insaciáveis vampiros. Além de grandes responsáveis pelas maiores tragédias ambientais em Minas, como Mariana e Brumadinho, não fazem o “mea culpa” e o dever de casa: no mínimo limpar a sujeira que causaram. Por que? Movidas pela impunidade? Mesmo depois de Mariana e Brumadinho?

Drácula e Frankenstein

Nosso “carma” vai além de tragédias ambientais como Mariana e Brumadinho. Há séculos, Minas enriquece o Brasil, ajuda a sustentar, construir o mundo e, em troca, herda apenas veias abertas, feridas e cicatrizes em seu vasto e castigado território. Onde está a compensação? Em janeiro, Minas vira um enorme pudim, um mar de pequenas tsunamis, uma bomba relógio.

Três doces vulcões, Lorrana Queiroz, Nathália Salles, Ana Flávia Lopes. Foto: Edy Fernandes

Lança Perfume

*Dentro da “maldição”, Minas é um vulcão adormecido, cujas entranhas encerravam muito ouro e até hoje guardam colossais jazidas de minério e de minas gerais.

“Maldição” que começou exatamente com os cobiçados ouro e diamantes, causas de nosso auge e decadência. Riquezas arrancadas, belezas roubadas, não reparadas.

Maldição que continua com os ônus e os poucos bônus de tantos privilégios naturais.

Brincadeira séria reza: com o minério que vendemos a preço de banana – literalmente negócio da e para a China – os chineses poderiam construir outras três Grandes Muralhas.

O ferro de hoje é o ouro de ontem. Esgota nossas paisagens, nossos recursos, decepam nossas montanhas, deixando apenas terra arrasada.

“A arrecadação de royalties do petróleo no Rio de Janeiro subiu 225% em 11 anos, saltando de R$ 1,2 bilhão de janeiro e julho de 2010 para R$ 3,9 bilhões no mesmo período de 2021”.

Enquanto isso, pouco adianta a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – Cfem ter mais que dobrado, em Minas, passando de R$307 milhões, em 2019, para R$637,2 milhões, em 2021.

 

A exuberância da natureza em Valéria Corrêa. Foto: Edy Fernandes

O estado não aplica na diversificação do desenvolvimento econômico de seus municípios após o esgotamento das jazidas, conforme determinado por lei.

Nem possui um Fundo de Exaustão e Assistência aos Municípios Mineradores, previsto na Constituição Mineira.

No Rio de Janeiro, bilhões; em Minas, milhões mal utilizados.

Por que não temos justiça e paridade nos royalties dos minérios gerais, inclusive das minas de água, fundamentais para a Economia nacional? Por que dois pesos, duas medidas?

Timidez, corrupção ou incompetência? Síndrome de vira-latas? Por que não reivindicamos, com o DNA de Tiradentes, o que nos é de direito?

“Entregamos o ouro”, não agregamos valor e, por falta de um forte parque industrial, compramos o ferro de volta em forma de geladeiras, fogões, carros, etc.

Minas Gerais é usado, abusado, lesado e não serão paulistas, gaúchos e nordestinos que vão nos defender!

Para isso, bom relembrar que, se royalties não trazem felicidade, nem resolvem tudo, com certeza, amenizariam e ajudariam muito.

Royalties bem aplicados aumentariam múltiplos investimentos no estado, produtividade e claro, segurança.

Royalties são poupança, cofre, liberdade e garantia de futuro.

Royalties não tampariam a boca do nosso enorme vulcão de água, mas diminuiriam o risco destes assustadores “99% de chance de inúmeras barragens romperem em dilúvios”.

Depois das chuvas, deveriam bastar rodo e pano de chão.