Dolce Vita | domingo, 20 de fevereiro de 2022
No fundo verde, como "os cabelos da nuvem cigana", Anny Rosa. Foto: Edy Fernandes
Clube Eterno
Com toda razão, muita gente considera o Clube da Esquina como a melhor MPB já criada. E é verdade, ao lado do samba clássico de Ataulfo Alves, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ary Barroso e uma infinidade que só existe e resiste em registros e poucas memórias. Com a Bossa Nova e suas vertentes, estamos falando dos pilares da música brasileira que não existe mais, não toca nas rádios e muito menos na TV.
Clube Mágico
Ao contrário da Bossa Nova e do melhor samba, o Clube da Esquina é 100% mineiro e 200% Belo Horizonte. Um brasileiro no Piauí e uma brasileira no Paraná podem adorar o Clube da Esquina e seus sócios proprietários, mas jamais entenderão a alma do clube se não conhecerem um mínimo de Belo Horizonte. Mesmo assim, não é qualquer Belo Horizonte, mas a cidade do Centro e principalmente do bairro de Santa Tereza.
Clube Fértil
Foi em Santa Tereza, 1963, que aconteceu o encontro entre Milton Nascimento, vindo de Três Pontas e os Irmãos Borges. A turma toda, que nasceu dali, é também quase incontável, tendo como protagonistas, o próprio Milton, Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges. Neste clube só falta um nome principal, não na melodia, mas nas letras, Fernando Rocha Brant (1946-2015). Não em Santa Tereza, não longe, Santa Efigênia.
Clube Renovado
Um pouco diretamente - e muito indiretamente - de Fernando Brant está em recente documentário da jornalista, amiga e colega aqui em O TEMPO, Ana Clara Brant que, modestamente assim nos brindou: “Minha estreia como documentarista e com a parceria maravilhosa da Vellozia Produções. Mais uma vez quero agradecer a todos que contribuíram para este projeto”.
Clube Soda
“Projeto que não tem fins comerciais e que é um registro afetivo da trajetória da casa dos nossos avós Yolanda e Moacyr Brant, a saudosa e eterna Grão Pará 1.092. Um lugar especial que abrigou durante seis décadas a história da família Brant e de amigos, além de ser um pedaço importante da história do Clube da Esquina. Com vocês ‘Casa Fraterna’".
Clube Fraterno
Casa Fraterna é um documentário de Ana Clara Brant e Lucas de Godoy sobre a casa dos Brant, localizada na esquina entre a Rua Grão Pará e a Avenida do Contorno. O número 1092 da Grão Pará foi ponto de encontros, celebrações e histórias que ultrapassaram as montanhas de Minas. Algumas dessas histórias estão contadas nesse documentário.
Clube ao Cubo
No documentário, que muito apreciamos, entendemos e conhecemos, por tabela, com seus irmãos, irmãs, sobrinhos, sobrinhas e Grande Família, um pouco mais de Fernando Brant. E dele, de sua privilegiada cabeça, saiu muita alma do Clube da Esquina. No clima do documentário, os ares, a atmosfera da família Brant, usina de diversão, “causos”, paz, amor e fraternidade, até hoje.
Clube Mineiro
Muito deste clima familiar e amical está no documentário. Não é defeito especial, pelo contrário, mas parece até aqueles filmes caseiros de fim de ano, onde cada um conta um caso, lembra uma história. Só não tem cunhado chato e bêbado caçando briga. Nem tio indiscreto falando demais e o que não deve. De vez em quando aparece um copo de cerveja para molhar a palavra.
Clube Infinito
Pelo entendido, a casa, mesmo fraterna e assombrada por ótimos fantasmas, não existe mais, foi demolida. A arquitetura da cidade perdeu nada, mas o Clube da Esquina perdeu sua sede social, seu porto seguro, sua referência e uma das minas da Ilha do Tesouro que é o Clube da Esquina. Resta o consolo da herança artística presente na nova safra dos Brant, a começar, pela agora diretora, Ana Clara.
No fundo verde, como o "sol, sereno, ouro e prata", Marina Diniz. Foto: Edy Fernandes
Lança Perfume
*Para fechar a coluna de hoje, na esteira de um mais um clássico do Clube da Esquina, mais uma parceria de Milton Nascimento e Fernando Brant, a linda “Ponta de Areia”.
“Ponta de Areia” fala de uma estrada de ferro que não existe mais, assim como os aviões da Panair.
Um trecho de “Ponta de Areia” servirá como introdução a um texto que tem tudo a ver com estradas de ferro que, no Brasil, não existem mais. Pelo menos como deveriam existir.
“Ponta de areia/Ponto final/Da Bahia-Minas/Estrada natural/Que ligava Minas/Ao porto, ao mar/Caminho de ferro/Mandaram arrancar”.
“Velho maquinista/Com seu boné/Lembra o povo alegre/Que vinha cortejar/Maria-fumaça/Não canta mais/Para a moça, as flores/Janelas e quintais”.
Agora, o texto é atribuído a Edson Tanaka. Mas é bem possível que seja anônimo, mais uma armadilha das redes sociais.
Todavia, o tema é pertinente e levanta questões que nunca deveriam ter caído ou sido abandonadas. A seguir o texto.
Assisto a vídeos japoneses no Youtube praticamente todos os dias. A maioria é feita por jovens que gostam de viajar pelo país registrando as cenas no celular.
E 100% deles viaja de barco (ferry-boats) ou trem. Os ferry-boats são barcos enormes que transportam centenas de veículos (a maior parte caminhões) e passageiros de ponta a ponta do país.
Tem passagem para todos os bolsos, desde dormitórios coletivos até suítes imperiais.
Os trens transportam basicamente só passageiros, também com acomodações de todos os preços.
Um país tão diminuto se comparado ao nosso, com 80% do território tomado por montanhas.
Um dia, nos comentários, um desses jovens perguntou de onde eram os espectadores e como era viajar de trem nos respectivos países.
Quando ele soube que no Brasil não existem trens de passageiros interestaduais (com leito, restaurante, etc.), ele simplesmente não acreditou.
Não tem como um país crescer sem uma malha de transporte economicamente viável.
No fundo verde, como o "sol, semente, madrugada", Vitória Rodrigues. Foto: Edy Fernandes
Nosso país, que é praticamente planalto e mar, não tem malha ferroviária nem marítima e a malha rodoviária é precária.
Os reflexos do que Bolsonaro está promovendo no Nordeste só serão sentidos daqui uns anos (se não destruírem tudo, claro).
Isso, quando as rotas de escoamento rodoviário, que o ministro Tarcísio Freitas está restaurando ou construindo, receberão a concorrência de uma malha ferroviária.
Os preços começarão a cair e as regiões desabastecidas começarão a receber produtos de outras, a um custo viável.
A integração econômica será, então, possível. Apenas com alguns anos de água e incentivos.
O Nordeste começou a produzir, por exemplo, trigo, a níveis inéditos, superiores até aos do sul. Faltam agora meios para escoar a produção de forma economicamente viável.
O texto acaba aí, mas ainda temos um comentário.
Impressionante, quase ridículo, um país como o Brasil, de dimensões e potenciais continentais, não usar seus rios e estradas de ferro.
Comecemos resolvendo o crucial problema do transporte de cargas gerais.
Lá na frente, num “sonho impossível”, o transporte de passageiros de Porto Alegre à Fortaleza.
Transportando passageiros de Norte a Sul, via Minas Gerais, de leste a oeste, via Minas Gerais. Que tal?