Dolce Vita | domingo, 2 de maio de 2021

No Empório Paraíso, a bela promotora, Cibele Gil. Foto: Arquivo Pessoal

Tesouro marroquino

Há exatos dois meses, pela agência France Presse, lemos que a mais famosa, das quatro telas pintadas pelo ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) foi leiloada, na Christie’s, em Londres, dia 1º de março, por sete milhões de libras (cerca de US$ 9,7 milhões ou R$ 54,7 milhões). A "Torre da Mesquita Koutoubia" (1943), pintada durante visita oficial a Marrakech, Marrocos, superou em quase quatro vezes as estimativas iniciais.

Tesouro inglês

O óleo sobre tela, “pérola” da atriz americana Angelina Jolie é "o quadro mais importante de Sir Winston Churchill", pois "faz parte da história do século 20", ressaltou o historiador de arte britânico Barry Phillips. A obra foi arrematada por um comprador anônimo. A “simples” paisagem e sem adornos representa um minarete, típica torre de mesquita muçulmana e símbolo do poder do Califado Almóada.

Tesouro raro

Torre rodeada pelas muralhas da cidade velha e montanhas cobertas de neve. Foi a única tela feita por Churchill durante a Segunda Guerra. Agora, atenção às voltas que uma obra de arte pode dar. Churchill presenteou o presidente americano Roosevelt, o “salvador das pátrias” europeias, contra a ameaça nazista. Na década de 1950, ela foi vendida por um de seus filhos.

Tesouro cinematográfico

O quadro seguiu trocando de mãos, até chegar, em 2011, à coleção do então casal hollywoodiano Angelina Jolie e Brad Pitt. Segundo a CNN, a obra teria sido um presente do ator para Jolie. O casal se separou em 2016. E aí entre o capítulo das doloridas divisões e separações: “devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”, outros livros, a medida do Bonfim, o disco do Pixinguinha ou do Cole Porter; a tela do Portinari ou do Churchill.

Tesouro da História

Churchill, “raposa política”, grande orador e estrategista, dono de frases tão bem humoradas quanto demolidoras, além de ganhar a guerra, começou a pintar aos 40 anos. Ele descobriu a luz de Marrakech nos anos 1930, quando o Marrocos era um protetorado francês e viajou para lá seis vezes em 23 anos. O que pouca gente sabe, sem culpa, é que o Museu da Pampulha, em Belo Horizonte, também tem uma pequena joia do mesmo lapidar Churchill.

No mesmo dia, espaço e espírito, a linda advogada, Claudia Tolentino. Foto: Arquivo pessoal

Tesouro misterioso

Quem nos lembrou foi o não menos talentoso, professor, artista plástico e pacifista, José Alberto Nemer: “No acervo do Museu da Pampulha há uma obra do Winston Churchill que, além de grande estrategista de guerra, era um pintor de domingo. Deve ter ido parar lá porque o Chateaubriand comprou (ou ganhou) e o Bardi não quis pro MASP (ocuparia muito lugar na reserva técnica)”.

Tesouro curioso

Pausa para os detalhes Google que fazem a diferença e muito mais. O italiano Pietro Maria Bardi (1900 - 1999) foi jornalista, historiador, crítico, colecionador, expositor e negociador de obras de arte. Bardi foi, junto com nosso “Cidadão Kane”, Assis Chateaubriand (1892-1968), o responsável pela criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Tesouro perdido

Projetado para ser cassino no início da década de 1940, sob a administração do então prefeito Juscelino Kubitschek, o “Palácio dos Cristais” foi o primeiro projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Só em 1957, 11 anos depois da proibição dos cassinos oficiais, que o a da Pampulha recebeu, oficialmente, uma função cultural. Com o empresário de comunicação e mecenas Assis Chateaubriand, foi criado o Museu de Arte da Pampulha.

Palmas para Fernanda Menezes, ativista política e captadora de negócios. Foto: Odilon Araújo

Lança Perfume

*Mais detalhes sobre Churchill e o Museu da Pampulha. Mesmo com nossa “memória de plástico”, não entendemos como uma tela tão pequena “ocuparia lugar no enorme MASP”.

Mas isso é o de menos. A mesma tela de Churchill, salvo engano, é a peça mais famosa do Museu da Pampulha, que já foi dirigido pelo mesmo José Alberto Nemer.

À época, Nemer tentou passar uma lei na Câmara que permitisse vender o quadro num leilão público e “comprar uma Lygia Clark, por exemplo”.

“A tentativa naufragou na lagoa. E agora, uma obra de propriedade da Angelina Jolie vendida a US$10 milhões”.

Dinheiro que daria para construir um novo museu, se não fosse desviado para centímetros de asfalto ou sacos de areia contra enchentes.

Em nossa humilde opinião, nosso Churchill não tem o mesmo valor do Churchill de Angelina Jolie.

Mais palmas para Maria Thereza Pacifici, "expert" em tributos e títulos federais. Foto: Odilon Araújo

Se tivesse, em vez de novo museu, serviria para reativar o cassino da Pampulha que, no Brasil, renderia muito mais dinheiro, turismo e talvez, “crimes”.

Outro pensamento. Não precisamos de mais museus. Precisamos é de acervo para os já existentes. Eis o nosso Calcanhar de Aquiles.

Precisamos de associações como as famosas “Amigos do Museu”, etc., responsáveis por aquisições.

Para terminar, os US$10 milhões que nunca teremos, além de museu e acervo, deveriam servir para reparar outra “falha nossa”.

Qualquer dinheiro seria bem-vindo para ressuscitar o Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte que teve sua origem nos anos 1930.

Durou 80 anos, sempre com periodicidade bienal, foi se modificando, até virar a inexpressiva Bolsa Pampulha.

Salões e prêmios de arte sempre foram a maneira mais justa de revelar grandes artistas.

Ao mesmo tempo, com uma política séria de premiação e aquisição, aumentam e enriquecem os acervos de museus.

Resumo da ópera bufa: Precisamos de museus e de cassinos. Museus de verdade e cassinos legais.

Nossos museus não devem vender, precisam comprar e ganhar com uma coisa chamada filantropia.

Com acervo decente e atrativo, precisaremos então de cidadãos que apreciem e consumam mais arte e menos celular. Aí é que a vaca tosse e a cobra fuma.