Dolce Vita | domingo, 14 de junho de 2020
Esbanjando charme e elegância, a influencer Thaynara OG
Foto: Edy Fernandes
Heloísa Tomasi em seu confinamento gastronômico do lar
Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Luiza Ribeiro, liquidando beleza e colorindo a coluna
Foto: Edy Fernandes
Lanterna dos afogados
Esta frase, dita e redita por aí, é uma grande verdade: “Estamos no mesmo mar, na mesma tempestade, mas em barcos diferentes”. Sim, uns estão em navios de luxo, transatlânticos, iates, lanchas. Outros estão canoas furadas, jangadas, paus de jangadas, tábuas ou boias, em águas infestadas por tubarões. Tem muita Arca de Noé que vai sobreviver, mas algumas podem afundar nas profundezas abissais e oceânicas. Mesmo assim, a regra geral é: todos somos iguais, mas uns são mais iguais que outros.
Lanterna na popa
A mundial desigualdade social mostra-se cruel também nas tragédias. Mesmo muito antes do famoso naufrágio do Titanic, em 1912, quando os passageiros da primeira classe tiveram mais chances de sobrevivência que os da terceira classe, até a atual pandemia do coronavírus, quando vemos os ricos confinados em seus condomínios de luxo e “castelos”, enquanto a população pobre se aglomera em promíscuas favelas, sem as mínimas condições dignas de isolamento, distanciamento, higiene e alimentação.
Lanterna na proa
Já escrevemos, aqui mesmo, sobre o êxodo de milionários para confinamentos de luxo nos Estados Unidos. Já em abril, o jornal espanhol “El País” tratava da fuga dos ricos de Nova York por causa da Covid-19, antecipando a alta temporada em exclusivos balneários, com os Hamptons, região litorânea, famoso paraíso dos milionários nova-iorquinos. Os celulares dos agentes imobiliários da região foram inundados com pedidos de abrigos e gaiolas de ouro.
Lanterna e farol
Foi e continua uma busca frenética por lugares mais abertos e espaçosos onde passar essa etapa. Quem tinha segundas residências (ou terceiras, ou quartas, ou quintas) correu para ocupá-las. E a demanda de aluguéis por temporada disparou nos destinos de veraneio habituais dos nova-iorquinos mais ricos. “Porque o coronavírus não conhece fronteiras geográficas, mas as de classe são mais difíceis de desmontar”.
Lanterna e candelabros
“Alguns chegam precedidos da sua própria equipe de faxina. Outros contratam uma empresa para isso e pedem que a desinfecção de cada cômodo seja gravada em vídeo. Ninguém confia mais em ninguém. Esses clientes pedem piscinas, geladeiras adicionais e quadras de tênis. E também caprichos mais extravagantes, como assessoria para celebrar uma festa de aniversário virtual para uma criança”.
Lanterna e descalabros
A alta temporada nos Hamptons costuma ir do final de maio ao início de setembro. Mas, já em fins de março, os preços cobrados estavam no nível máximo. O fenômeno se repete em outros destinos de luxo próximos a grandes cidades norte-americanas, como São Francisco e Chicago. É uma exceção num setor, o de viagens, que basicamente se evaporou devido à pandemia.
Lanterna e fogueira
O “fenômeno” é mundial. Os ricos, nos Estados Unidos e na Europa, saem das grandes e perigosas cidades e invadem as pequenas, normalmente onde costumam passar as férias: casas de campo, na praia, nas montanhas, no interior e até mesmo em “bunkers” da Segunda Guerra Mundial ou da Guerra Fria. Claro, sempre bem abastecidos, com perfeita internet para o teletrabalho e, em alguns casos, levando o vírus fatal para essas cidades, normalmente povoadas por idosos, o grupo de risco favorito da Covid-19.
Lanterna e lareira
Voltando a Nova York e ao teletrabalho, leitores da coluna são também testemunhas desta fuga em massa. Fuga da doença e do tumulto da ilha, antecipando o inevitável fim de muitos escritórios e reuniões, ambos transformados no também incontornável home office. Quem pode se sacode – privilegiados 30% – e foge de Manhattan. Como o que vemos no Brasil, onde os ricos se refugiam em condomínios luxuosos, com toda a infraestrutura, ou em sítios, fazendas, casas de campo.
Lanterna e escuridão
A natureza agradece revitalizada, enquanto o homem não pode voltar à destruição e à poluição que lhe são tão caras. O trânsito também está mais civilizado. Só mesmo um coronavírus para mostrar o quanto de supérfluo dominava nossas vidas, como viagens inúteis e deslocamentos em carros, provocando engarrafamentos e ônibus lotados. Resta saber se os “inteligentes humanos e seus líderes” aprenderão a lição, à força, como sempre!
Lanterna e fósforos
Aqui no Brasil, um exemplo, um resumo de tudo isso, ficou bem explícito em recente e longa entrevista, à distância, do publicitário Nizan Guanaes à CNN Brasil. O poderoso, talentoso, ótimo comunicador e rico Nizan deu um show para a plateia de mulheres jornalistas no estúdio da CNN; todas seduzidas, pelo charme e retórica do entrevistado, todas esvaziando seus sacos de confetes e serpentinas.
Lanterna e YouTube
Bom, Nizan “mandou muito bem”, provando como “chegou lá”. A íntegra da entrevista está no YouTube, mas, de memória, levantaremos aqui os melhores momentos. Nizan deu uma aula de humanismo e solidariedade, lembrando várias vezes que, ele mesmo, entre os 64 dias de confinamento, passou 18 trancado num quarto, em tratamento. Sim, ele teve a Covid-19 e passou por maus bocados.
Lanterna e lagosta
Comeu (lagosta?) e bebeu (champagne?), nestes 18 dias, em pratos e copos de plástico, talheres descartáveis. Aproveitou até para refletir sobre o papel ecológico do vilão da hora, o plástico que, ironicamente, agora salva vidas. Condenando os que ficam em cima do muro, ficou ele mesmo em cima de seu muro. Muro alto de condomínio de luxo. Mesmo assim, jurou que, depois da experiência traumatizante, revendo suas prioridades, vai morar, com a mulher, Donata, num espaço duas vezes menor (do Grand Palais, para o Petit Palais?).
Lanterna e fake news
Nizan batia e acariciava, elogiou e criticou todo mundo: a imprensa e as redes sociais, defendendo inclusive regulamentação e regulação das mesmas redes que, segundo ele, publicam fake news, mas não as tiram do ar. “A democracia é analógica, e a demanda dos problemas é 5G”. Ou “temos que nos colocar no sapato dos outros”. “Precisamos de um ‘Capitalismo Aquariano’, do jeito que está, caminhamos para a nossa extinção. O planeta vai continuar, devastado ou não, mas nós seremos extintos”.
Lanterna e samba
Nizan teve tempo até para compor um “sambinha” sobre a Covid-19, onde ele usou, à guisa de título, um palavrão “para o Bem”: “Esta Porra Mata”. Claro, a CNN cortou o palavrão, duas ou três vezes, até Nizan trocar por “Esta coisa (o vírus) Mata”. Logo o palavrão, o mesmo palavrão usado pelo presidente Jair Bolsonaro, tão criticado e mostrado infinitas vezes, na própria CNN Brasil.
Lanterna e reflexões
Quanto à publicidade, na pandemia, pasmem, Nizan gritou, antes de chorar: “Não é hora de vender, mas de criar relações com as pessoas”. Pessoas (consumidores) que, no futuro, lembrarão com muito carinho destas marcas. Recomendamos mesmo, porque a entrevista é rica e muito boa, abre nossas cabeças a várias e pertinentes reflexões, porém há sempre um “mas”.
Lanterna e confissões
Nizan, como dissemos, ficou sempre em cima de seu privilegiado muro e, lá do alto, confessou que queria o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, presidente. O bom Geraldo, que perdeu a eleição por ter sido “péssimo comunicador”. Confessou também que é muito amigo do atual governador, João Dória, e, ao mesmo tempo, entende o presidente Jair Bolsonaro. “Em suma do muro” repetiu o clichê, vidas são importantes, mas a economia também é. E, na esteira, criticou as autoridades que impõem o confinamento, mas não dão condições humanas para que as pessoas fiquem em casa.
Lanterna e privilégios
Lembrou que ele mesmo é um privilegiado, em sua casa com piscina, geladeira cheia, internet e todo o conforto. E que a grande maioria da população não tem a mesma sorte, muito pelo contrário. E é aí, entre mil outras verdades e reflexões sedutoramente boazinhas, que mora a grande incoerência de Nizan, de outros milionários no Brasil e no mundo: Nizan, inocentemente, recomendou sono, boa alimentação e muita higiene aos acometidos pela Covid-19.
Lanterna e orações
Disse que tomava longos banhos e até ensinou como as pessoas devem lavar bem as mãos: “Lavem as mãos o tempo suficiente de uma Ave Maria. Rezando uma Ave Maria, ou cantando uma música, recitando uma poesia”. Nizan, na torre de marfim de seu castelo solidário e humanista, esqueceu apenas que, no Brasil, metade da população não tem sequer esgoto e nem um pingo de água tratada nas torneiras. Imaginem água para lavar as mãos como Pilatos rezando uma Ave Maria.
Lanterna e lições
No início da entrevista, Nizan disse que não sabia definir “o novo normal”. Mas, no final, mais um ensinamento fundamental: “Quer entender o novo normal? No novo normal, o revolucionário é ouvir mais que falar, ouvir!”. Está certo. Nizan deveria rever, para ouvir melhor sua entrevista.