Dolce Vita | domingo, 12 de julho de 2020
Nos “Anos Dourados”, com A de Ana Gutierrez
Foto: Edy Fernandes
“La Femme”, “La Belle Époque” de Lah Fabrini
Foto: Edy Fernandes
Esperando a volta das cores, as cores de 2020, com Kika Branco e Ludmila Ximenes
Foto: Edy Fernandes
Devaneios e delírios
Mais um texto recebido, tão ótimo quanto anônimo: “Imagine, por um momento, que você tenha nascido em 1900. Quando você tinha 14 anos começa a Primeira Guerra Mundial e termina quando você tem 18, com um saldo de 22 milhões de mortos. Logo depois aparece uma pandemia mundial, a Gripe Espanhola, matando 50 milhões de pessoas. E você está vivo e com 20 anos. Quando você tem 29 anos sobrevive à crise econômica mundial que começou com o desmoronamento da Bolsa de Nova York, causando inflação, desemprego e fome”.
Devaneios e sonhos
“Quando você tem 33 anos, os nazistas chegam ao poder. Quando você tem 39 anos começa a Segunda Guerra Mundial e termina quando você tem 45 anos com um saldo de 60 milhões de mortos. No Holocausto morrem seis milhões de judeus. Quando você tem 52 anos começa a guerra da Coréia. Quando você tem 64 anos começa a guerra do Vietnã e termina quando tem 75 anos”.
Devaneios e imaginação
“Uma criança que nasceu em 1985 pensa que os seus avós não faziam ideia do quão difícil a vida é, mas eles sobreviveram a várias guerras e catástrofes. Hoje, encontramo-nos com todas as comodidades num mundo novo, no meio de uma nova pandemia. A gente reclama porque por várias semanas devem ficar confinados em suas casas; tem eletricidade, celular, comida, alguns até com água quente e um telhado seguro sobre suas cabeças”.
Devaneios e possíveis
“Nada disso existia em outros tempos. Mas a humanidade sobreviveu a essas circunstâncias e nunca perdeu a alegria de viver. Hoje, queixamo-nos porque temos que usar máscaras para entrar nos supermercados. Uma pequena mudança na nossa perspectiva pode gerar milagres. Vamos agradecer, você e eu, que estamos vivos e vamos fazer tudo o que é necessário para nos proteger e nos ajudar uns aos outros."
Luz e sombra
Outro texto muito bom, circulando pelo confinamento do “novo normal” e atribuído à Isabel Allende: “Trancada em sua casa ao lado do seu marido e de dois cães, a escritora chilena, que há 30 anos vive nos Estados Unidos, alegou que os tempos de escuridão existiam antes da pandemia: ‘Estávamos no tempo do antes, agora estamos vivendo o do meio e depois será o tempo de amanhã. Vamos ver se o último é um pouco mais leve e mais claro do que vivíamos antes’".
Sombra e whisky
O texto é bom, mas cabe indagações, citações, controversas e nossos humildes comentários. Assim, antes da continuação, parênteses para o tempo do antes, meio e amanhã, do poeta Vinicius de Moraes, em “Poética”, escrito em Rio de Janeiro, 1954. Além de poeta, profeta: “De manhã escureço/De dia tardo/De tarde anoiteço/De noite ardo/A oeste a morte/Contra quem vivo/Do sul cativo/O este é meu norte/Outros que contem/Passo por passo: Eu morro ontem/ Nasço amanhã/Ando onde há espaço: Meu tempo é quando”.
Sombra e vinho
Voltando a Isabel Allende: “Eu acredito que vivíamos numa situação insustentável, de abuso contra o planeta, do clima, da natureza, de outras espécies... Uma sociedade de consumo sem nenhuma vida interior e sem satisfação interior também. Acho que não vivemos num mundo feliz, nem muito menos. É a primeira vez, possivelmente na história, que há uma sensação de que somos uma única humanidade, que o que acontece com um acontece com todos. Estamos todos metidos nesse vírus, em quarentena".
Vinho e rosas
Claro, Isabel! Porém, tenha certeza que os tempos continuam insustentáveis como a leveza do ser. O abuso contra o planeta está apenas adormecido. Vai voltar e mais selvagem que nunca. As pessoas estão apenas fingindo-se de mortas, esperando a morte passar. E claro, sentimos muito, mas estamos longe da humanidade única. E claro que o que acontece com um não acontece com todos. Estamos no mesmo mar de lama, mas uns boiando, uns em canoas furadas e outros em iates e transatlânticos.
Lança-Perfume
*Indagada pelo medo que o vírus impõe, a morte, Isabel Allende contou que desde que a sua filha Paula morreu, perdeu o medo para sempre”.
“Primeiro, porque a vi morrer nos meus braços e percebi que a morte é como o nascimento, é uma transição, um limiar, e perdi o medo no pessoal”.
“Agora, se o vírus me pegar, pertenço à população mais vulnerável, pessoas mais velhas, tenho 77 anos e sei que se me contagio vou morrer”.
“Então a possibilidade de morte se apresenta muito clara para mim neste momento, eu a vejo com curiosidade e sem medo”.
“O que a pandemia me ensinou é a soltar coisas, a perceber o pouco que preciso. Não preciso comprar, não preciso de mais roupas, não preciso ir a lugar nenhum, nem viajar”.
Ops! Viajar, viver e navegar! Precisamos sim, muito e sempre! Mas há controvérsias! Tem gente sim, se desapegando, porém, as vendas nas farmácias, supermercados, padarias e online estão rindo à toa.
E vão rir até o dinheiro faltar. Dinheiro dos pobres e da classe média. Porque, “para variar” e como sempre, crise não existe no dicionário dos ricos.
Continua Allende: “Parece que tenho demais. Eu olho à minha volta e digo pra quê tudo isso. Pra que eu preciso de mais de dois pratos?”.
“Depois, percebo quem são os verdadeiros amigos e as pessoas com quem eu quero estar”.
Alguém aí já viu pratos em fina porcelana e intactos no lixo? E celulares e aparelhos de TV novos? Livros, computadores, móveis, roupas etc.? Nós não vimos! Como também não podemos ver os amigos de verdade, nem os de mentira.
Vai Allende: “O que você acha que a pandemia nos ensina a todos? Está nos ensinando prioridades e nos mostrando uma realidade. A realidade da desigualdade”.
Precisávamos da Covid-19 para vermos a desigualdade?
“De como umas pessoas passam a pandemia num iate no Caribe, e outras pessoas estão passando fome. Também nos ensinou que somos uma só família”.
“O que acontece com um ser humano em Wuhan, acontece com o planeta, acontece com todos nós”. Mais ou menos. Menos, não é Isabel?
“Não há essa ideia tribal de que estamos separados do grupo e que podemos defender o grupo enquanto o resto das pessoas esfrega”.
“Sem muralhas, sem paredes que possam separar as pessoas. Criadores, artistas, cientistas, todos os jovens, muitas mulheres, estão se colocando uma nova normalidade”.
“Eles não querem voltar ao que era normal. Eles estão pensando em qual mundo nós queremos”.
E os condomínios de luxo? Sítios, fazendas, piscinas; geladeiras e dispensas cheias? Isso, continua normal. Essas pessoas continuam no bom e velho normal de sempre.
Mas, fala mais, Isabel: “Essa é a pergunta mais importante deste momento. Aquele sonho de um mundo diferente: pra lá temos que ir”.
E refletiu: “Eu percebi em algum momento que você vem ao mundo perder tudo. Quanto mais você vive, mais você perde”.
“Você vai perdendo seus pais primeiro, pessoas às vezes muito queridas ao seu redor, seus bichinhos, lugares e suas próprias faculdades também”.
Isso é verdade, concordamos! Mas deixemos Isabel Allende terminar, enfim, seu belo texto, em paz.
“Não se pode viver com medo, porque faz você imaginar o que ainda não aconteceu e sofre o dobro. Tem que relaxar um pouco, tentar apreciar o que temos e viver no presente”.