Dolce Vita | domingo, 07 de fevereiro de 2021

A bela confinada na natureza, Liliane Andrade. Foto: Arquivo Pessoal

Pirações piradas

Dia 28 de janeiro, a colega carioca, Ruth de Aquino, publicou uma ótima ideia, mas com alguns equívocos. Equívocos não, opiniões diferentes das nossas. Normal e saudável. Ruth ilustrou “As Pirações do Confinamento” com bela foto do edifício Copam, São Paulo, suas janelas iluminadas ou escuras, com ou sem moradores, ou seja, “presos”. Ela analisou, “Do BBB à Pandemia” e aí, a primeira discordância. É possível comparar duas coisas tão distintas?

Piradas e exageradas

“O pior desse confinamento é não saber quando vai acabar. Duraria no máximo seis meses. Mas há quase um ano continuamos de máscara e sem encontrar, abraçar ou beijar pessoas queridas. A efusão e o afeto são risco de contágio e de morte. Ouço de amigos brasileiros e estrangeiros: ‘Estou enlouquecendo’. É verdade ou exagero?”’. Para, nós, verdade e exagero; diferentes, cada pessoa encara de uma forma.

Piradas e “Pyradas”

Ruth conversou com Luiz Alberto Py, psiquiatra que deu assistência aos confinados no BBB e, agora, aos quarentenados na pandemia. Eis o problema. Nada a ver o pior programa da TV brasileira, com uma realidade completamente diferente e até um prêmio em muito dinheiro para o último “sobrevivente”, em uma casa cheia de luxo, diversão, piscina, conforto e mordomias.

Piradas e piadas

Como reza a piada nas redes sociais, “Cientistas descobrem que um pão tem muito mais miolo do que quem assiste BBB”. E como reza a ironia, nas mesmas redes: “O Big Brother é igual ao Socialismo: ninguém produz; a comida é racionada; todos são obrigados a dividir as coisas, rola muita pu...ria; só o líder tem regalias; as pessoas são vigiadas 24h por dia; sempre estão te monitorando; toda semana alguém vai pro Paredão e apenas um fica milionário e vivo no final”.

A linda confinada, ao ar livre, Gaby  Índio do Brasil. Foto: Arquivo Pessoal

Piradas e bandidas

“Antigamente”, o apresentador Pedro Bial tratava os participantes do BBB como heróis! Herói, para nós, é quem vive confinado a vida inteira, em apartamentos minúsculos ou favelas. Herói é quem consegue viver confinado sem dinheiro, comida, diversão e arte. Heróis são brasileiros e gente do mundo inteiro que, cotidianamente, sofrem todas necessidades, agravadas agora, com pandemia e confinamento.

Bandidas e vidas

Fala Dr. Py: “o BBB tem uma coisa angustiante para quem está ali, que é não saber o que está acontecendo no mundo. Toda a vida afetiva fica resumida àquelas pessoas na casa, às patotas solidárias ou hostis. Mais nada e por pouco tempo. Três meses. E ninguém está arriscando a vida”. Py ajudou “os heróis” do Big Brother a não surtar nas primeiras edições do programa. 

Vidas e secas

Aí perguntamos: Dr. Py, tem coisa melhor do que não saber o que está acontecendo no mundo? Quem nos dera ter essa sorte! De manhã à noite, pela TV, celular ou computador, somos bombardeados por más notícias. Seria uma felicidade sermos poupados de toda esta lama, mesmo confinados com aquela “patota” do BBB que, aqui entre nós, geralmente, não é a melhor companhia, nem no fim do mundo.

Secas e molhadas

Nisso, Ruth concorda conosco ao escrever: “Na pandemia, em casa, sabemos de tudo no mundo. E isso também é apavorante. ‘Nos dois tipos de confinamento, muito diferentes, o traço comum é a perda da liberdade. Normalmente, na vida, você já sacrifica sua liberdade por um objetivo, uma relação ou um trabalho. Mas somos um pouco donos do sacrifício’”. Claro, eis a grande e fundamental diferença.

Molhadas e vacinadas

“Na pandemia, estamos reféns de um confinamento sem previsão para acabar. A liberdade de encontro continuará restrita mesmo após a primeira dose da vacina”. Isso, para quem quer e pode respeitar as regras de distanciamento, dentro de “gaiolas de ouro”, com muito espaço, verde, Netflix e geladeira cheia. Mesmo que “as neuroses se acentuem no confinamento”.

Elegância e charme confinados em Silvia Faria. Foto: Edy Fernandes

Lança Perfume

“Numa situação de risco e de emergência, até num elevador travado, vemos quem reage de maneira sã e quem entra em pânico”.

“Na medicina, testamos o funcionamento de órgãos colocando empecilhos. ‘Testamos a capacidade de mover a pessoa pressionando contra o movimento. Em neurologia, o equilíbrio é verificado com olhos fechados’”.

“‘Ou com um pé à frente do outro. Ao criar menos estabilidade, vemos quem consegue se manter estável. Uma autodisciplina sólida é o maior sinal de autoestima’”.

“Quem tem resiliência na solidão e serenidade diante dos perigos está aguentando mais o tranco. Quem trabalha em casa também. Confinar a dois é um teste”.

“Casamentos sólidos se fortalecem, com ajuda, parceria e carinho recíprocos. Casamentos em dificuldade descem ladeira abaixo, com mágoas expostas. Um dia acabariam. A pandemia só acelerou a separação”.

Aí, Ruth acertou em cheio, já escrevemos sobre casamentos e divórcios na pandemia, várias vezes, chegando à mesma conclusão.

“Numa academia de ginástica, carregamos peso para fortalecer os músculos. ‘Recomendo, para quem pode, usar o confinamento como musculação emocional’, diz Py”.

“‘Onde você reforça a capacidade de lidar com o medo e a paranoia? Com os outros, com o atrito da relação constante. E com sua solidão?’”.

“O tempo para reflexão é um luxo. O povo em pé em ônibus superlotados e em filas para tirar documentos ou para internar parentes não tem direito sequer ao confinamento”.

“Precisamos pensar na pós-pandemia, em como transformar nossa civilização”.

“‘Estamos nos comportando muito mal nesse planeta. Estamos nos aglomerando e agredindo excessivamente a natureza. As pandemias são um fenômeno típico da aglomeração’”.

“Quando se fala em pestes agrícolas, elas dão em plantações. Monocultura. Só milho, só algodão, só trigo. Bate uma doença e se propaga”.

“Criações de porco, galinha também. Bate uma doença e mata todos. Não há peste na floresta natural”.

“Numa cidade tem gente, gente, gente. Passando doença um para o outro. Todos nós comemoramos a vacina. E depois?”

“A pandemia é sintoma de uma Humanidade doente, desigual, egoísta, violenta e muito mal organizada. Somos humanos?”.

“Py lembra que, no livro ‘As pipas’, Romain Gary escreve que a pior coisa do genocídio judeu é que o ‘nazismo é humano’. Hitler era um ser humano. E isso diz muito sobre a nossa espécie”.

Bom, com exceção do BBB, acho que concordamos com todas as “pirações” de Ruth de Aquino. Parabéns a ela e a nós, sobreviventes dos vírus e de alguns seres humanos.