Paulo Navarro | Entrevista com Leonardo Barcelos


Entrevista o cineasta Leonardo Barcelos. Foto: arquivo pessoal

Tela em Transe

“40 anos em 20” é nosso entrevistado de hoje. Um pouco “colega”, Leonardo Barcelos é bacharel em Comunicação Social pela UFMG e pós-graduado em Comunicação, Novas Tecnologias e Hipermídia. Já dirigiu e roteirizou uma série, dois longas-metragens e seis curtas, num arrastão de prêmios. Seu primeiro longa ‘Balança, mas não cai’ sacudiu festivais internacionais e nacionais. Seu segundo longa “Corpo presente”, estreou em janeiro de 2023 na Mostra de Cinema de Tiradentes e teve sua estreia internacional no 44º Festival de Havana, Cuba. Leonardo é um homem de seu tempo e principalmente de seu corpo, matéria-prima de uma vasta imaginação, criatividade sem fim.

O suporte de sua arte é o tempo e uma fantástica fábrica de novas tecnologias que, por sua vez, despertam transformações profundas. Na técnica, no pensamento e por que não no corpo, de novo e sempre presente. Afinal, Leonardo ainda busca respostas e segue perguntando, sem ofender: “Hoje em dia, o que significa ter um corpo? Quais são as experiências possíveis? Ele nos define? Define o que é ser humano? E o que ele significará no futuro, com o metaverso cada dia mais presente? ”. Alguém sabe responder?

Continue a leitura para saber mais!

Leonardo, 20 anos de praia, telas grandes e pequenas?

Surfo na praia audiovisual, entre telas, suportes, formatos e gêneros há mais de 20 anos; seja no cinema, na TV, em instalações, performances e outras mídias. O audiovisual, com o advento das novas tecnologias, assim como a maioria dos setores, passa por transformações profundas, em especial no modo como os filmes são exibidos e vistos, nos forçando a repensar novas formas de produção e novos formatos. Temos que estar em eterno movimento, aprendendo e surfando em múltiplas praias, neste mutante universo das imagens.

Começou como? Tecendo teias?

Comecei juntando forças com amigos e amigas que precisavam de dividir espaço e equipamentos. Alugamos a casa da amiga da minha avó Geni, no bairro Barroca, em meados dos anos 2000. O espaço foi se consolidando e surgiu o coletivo Teia, um dos grupos de maior destaque no cenário audiovisual, com Clarissa Campolina, Helvécio Marins, Marília Rocha, Pablo Lobato, Sérgio Borges e Luana Melgaço. Muitas teias foram lançadas, traçadas e vividas. Lembro com muito carinho daquela época naquele casarão com um quintal singular onde muitas obras e trocas foram tecidas e seguem afetando outras aranhas pelo mundo…rs

Muitos festivais e prêmios?

Uma das melhores partes do nosso meio é justamente fazer parte dos festivais e mostras nacionais ou internacionais. Ali podemos experienciar as obras tomando vida, nascendo para o mundo sob os olhares curiosos dos espectadores que por ali se encontram, por acaso ou por destino. A Mostra de Tiradentes sempre terá seu lugar no meu coração e formação, mas também citaria o Festival de Málaga, na Espanha e o Festival de Havana, em Cuba, nos quais tive experiências arrebatadoras. Três dos meus filmes passaram em Havana e nunca vi, em nenhuma outra parte do mundo, a qualidade de exibição que o festival proporciona. É sempre bom sair premiado de algum festival, pois aumenta a visibilidade, como foi o caso de algumas obras.

E até em museus?

Pelas características artísticas e as interseções entre linguagens, minhas obras naturalmente se adequam aos museus e afins. Agora mesmo estamos desenvolvendo um projeto que abarca tanto o cinema, quanto a TV, assim como instalações, performances, debates, tudo em um mesmo local. Acredito que este seja o futuro, no qual o espectador poderá escolher qual a melhor forma de apreciar o conteúdo e em qual suporte ele se sente mais confortável ou afetado, seja na tela, seja assistindo a performances ao vivo, seja na imersão dentro do universo virtual ou debatendo as questões mais proeminentes da contemporaneidade.


O que é hipermídia? Outra praia?

Acho que hoje em dia as "praias" do audiovisual mudam em uma velocidade assustadora. Não faz nem 17 anos que a Netflix e outros streamings surgiram e transformaram a indústria e, no mesmo período, os smartphones chegaram e mudaram nossas vidas. Agora a praia da vez é o universo virtual, com a chegada do metaverso e as realidades imersivas e interativas. Novas modalidades que desafiam e nos interpelam a criar novas possibilidades narrativas no campo das imagens. Temos muito a explorar nestas novas praias que não param de surgir!

Também roteirista?

Sim, em todas as obras que dirigi até hoje, também assinei o roteiro, sozinho ou em conjunto com outros colaboradores, como o Tiago Tereza, a Christiane Tassis, a Monica Cerqueira, entre outros. Em obras mais autorais, a escrita naturalmente está vinculada à visão do diretor e é o ponto de partida, o cerne da obra. Antes de começar qualquer projeto e antes mesmo do roteiro, eu sempre realizo uma ampla pesquisa conceitual e estética do assunto, tentando desvendar aquele universo que será retratado.

Do que tratam “Noiva de Deus” e “Nacos de Pele”? Curtas e mais prêmios?

“Nacos de Pele” aborda o declínio da relação de um casal homoafetivo. Na época, eu estava desiludido amorosamente e isso acabou virando filme. O curta foi exibido em diversos festivais internacionais, como em Havana, MixFest New York, Thessaloniki's e premiado como melhor curta no FLUXUS, melhor vídeopoema na Mostra a Tela e o Texto e ainda ficou entre os cinco melhores curtas na Mostra de Tiradentes e na Mostra do Filme Livre.

E a Noiva?

“Noiva de Deus” aborda um tema espinhoso e polêmico, o infanticídio. O curta foi realizado dentro do Instituto Raul Soares em parceria com o diretor do Instituto, Hélio Lauar, e fez parte do tratamento terapêutico da personagem. O curta também circulou bastante e arrecadou prêmios. Os curtas, muitas vezes, fazem parte do início da carreira de qualquer cineasta, ele é o ponto de partida e a entrada na investigação audiovisual, daí a sua importância.

O audiovisual brasileiro, “Balança, mas não cai”? 

O audiovisual brasileiro passou por muita dificuldade durante os anos do governo Bolsonaro. Os editais foram cancelados, houve perseguição direta às pessoas da classe, a Ancine foi sabotada e quase fechou… E veio a pandemia, que piorou ainda mais a situação. Balançou, quase afundou, capotou, mas não caiu… Só agora estamos sentindo os reflexos da retomada efetiva do meio.

E o filme?

O filme (“Balança, mas não cai”), que foi lançado há mais de uma década, continua na cabeça do público. Teve gente que gostou, outras menos e muitas ainda não viram. De qualquer forma, ele teve uma sólida carreira em festivais e segue entre os mais assistidos na EMC Play. ‘Balança” traz consigo muitos elementos da nossa capital mineira, seja através da lenda e suas histórias, mas também na forma em que o filme foi narrado.

“Corpo Presente”... (fale sobre).

 “Corpo Presente” foi uma experiência singular na minha trajetória, pois, no filme, pude explorar com mais desenvoltura e eficácia a potência das imagens, utilizando de quase todas as possibilidades da imagem em movimento. A troca colaborativa com os “performers” foi outro grande aprendizado. Junto com a equipe e os próprios artistas pudemos entender como otimizar o registro das performances, trazendo para dentro do cinema o tempo e a presença dos corpos.

Um mergulho?

O filme pode ser considerado o início formal de um aprofundamento nas questões mais profundas do corpo e das ideias de corpo. “Corpo Presente” teve sua estreia mundial na Mostra de Tiradentes, passou pelo Festival Internacional Rio LGBTQIA+, foi destaque nacional no Festival Internacional MIX Brasil e teve a sua estreia internacional como o único longa-documentário mineiro no prestigioso Festival de Havana.

Mais corpo! O que será a série “Cartografias do Corpo”?

Pra mim o corpo é um tema infinito, quase um labirinto no qual adoro me perder e por vezes me achar. A partir de uma pesquisa realizada há quase uma década, em conjunto com outros colaboradores, estamos lançando o que chamamos de “Trilogia do Corpo”, composta pelos dois longas e a série.

Corpos costurados?

Os projetos unem de forma inédita e singular os maiores nomes da performance mundial, traçando um diálogo entre diferentes culturas e épocas, como Marina Abramovic, ORLAN, José Celso Martinez, Jo Clifford, Paulo Nazareth, Marco Paulo Rolla e muitos outros. A série “Cartografias do Corpo" é dividida em 13 episódios de 26 minutos e apresenta o corpo como elemento político, artístico, tecnológico e social. Em cada episódio, nos aprofundamos em temas importantes da contemporaneidade.

Mais corpo! “O Que Pode o Corpo? ”

Sim, mais corpo! Queria que as pessoas parassem e pensassem sobre o próprio título do filme: “O que pode o corpo? ”. O filme tem uma abordagem mais documental e mais dirigida às pesquisas dos artistas e é a partir de experiências vividas em suas próprias peles e exploradas em suas trajetórias, obras e pensamentos, que o filme constrói um diálogo entre estes corpos e seus modos de expressão, construindo uma conexão entre diferentes culturas nas quais o corpo se apresenta como palco das mais proeminentes questões do nosso tempo.